Narayana Teles
“As sementes se perpetuam, a agricultura familiar e as agroflorestas podem ser extensões de quintais”.
Ao pesquisar sobre agrofloresta para realização desta matéria, um título me chamou atenção: Agrofloresta por Mulheres. Curiosa e interessada na temática, entrei em contato com Fabiana Peneireiro para saber do que se tratava a proposta e conversamos sobre. Agrofloresta por Mulheres é uma vivência, que acontecerá nos dias 2, 3 e 4 de agosto, na Ecovila Aldeia do Altiplano (Altiplano Leste), Zona Rural de Brasília, com a agrônoma Fabiana Peneireiro, chamada carinhosamente de Fabi. Moradora do Planalto Central há 19 anos, ela faz parte do Mutirão Agroflorestal, uma organização não governamental, atuante desde 1996, na promoção e construção de processos de formação e educação agroflorestal. É uma Rede com pessoas que se unem para trabalhar na perspectiva de promover a agrofloresta e construir um mundo mais cheio de vida. Um aprendizado coletivo. Assim também é a atuação de Fabi na Ecovila, onde mora, um lugar de convívio entre amigos, e de melhoria do lugar, já que estão recuperando uma área que foi bastante degradada.
“No Brasil, em grande parte dos nossos territórios, os biomas são florestais, o Pantanal é floresta, a Caatinga é floresta, o Cerrado é floresta. Então, a estratégia da própria natureza de aproveitar da melhor maneira possível a energia radiante do Sol que chega no nosso clima por meio de florestas é reproduzida pela gente em nossos sistemas produtivos. Nesse sentido, a agrofloresta busca replicar a estrutura e a função das florestas”, comenta Fabiana.
Os sistemas agroflorestais são sistemas de produção que podem ser encontrados em muitas populações no mundo inteiro, é uma prática muito antiga e de modos muito particulares, diferentes de se fazer. Fabiana Peneireiro tem como referência os trabalhos desenvolvidos pelo agricultor e pesquisador suíço Ernst Götsch, tido como um ser inspirador para ela por ter uma leitura de mundo, do funcionamento da natureza, do fluxo da vida: “Eu penso que muito do que estamos vivendo hoje da crise na humanidade, uma crise de valores, é uma desconexão com a vida, com a natureza, com os valores verdadeiramente humanos. Nós esquecemos que somos parte e queremos estar no domínio, então, trabalhar a agrofloresta nessa perspectiva que o Ernst traz é nos abrir, abrir nossos canais para percebermos e interagirmos com todos os seres, com o lugar, e tentar fazer da nossa presença algo que prospere mais vida, mais recursos para a vida naquele lugar, de maneira que o resultado da nossa ação possa ser benéfico para todos os envolvidos”.
Muitos quintais podem ser considerados sistemas agroflorestais por possuírem diversidade de plantas, pequenos animais, hortaliças, plantas medicinais, aromáticas, frutíferas. De acordo com Fabiana, quanto mais se puder combinar os elementos de forma positiva e interativa entre eles, é mais interessante em termos de produtividade, de benefícios que esse sistema de produção possa trazer. E estando perto da casa existe uma interação muito íntima com os moradores, com a família ao se pegar um tempero fresco, por exemplo, ou ao colher uma erva para preparar um chá. É algo que proporciona segurança alimentar, uma soberania alimentar, onde cultiva-se também o conhecimento tradicional, que vem de gerações. “As sementes se perpetuam, a agricultura familiar e as agroflorestas podem ser extensões de quintais”, declara Fabiana.
Para a agrônoma, é muito importante a união entre campo e cidade, e cita duas frases do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “Se o campo não planta, a cidade não janta”; “Se o campo não roça, a cidade não almoça”. São dizeres que reforçam o quanto a cidade é dependente do campo.
“Produzir água, abastecer os lençóis freáticos, diz respeito ao uso da terra, e isso acontece no campo. Na cidade, a agricultura urbana poderia e deveria ser mais fortalecida, ter espaços para as pessoas se dedicarem a essa atividade. É sempre benéfico o envolvimento com a prática agroflorestal, nem que seja no seu quintal, na praça da sua comunidade ou junto a uma Unidade Básica de Saúde. Saber de onde vem seu alimento e apoiar a agricultura familiar, de maneira a adquirir os alimentos dessa agricultura e apoiar quem está à frente da produção desses alimentos também é muito importante”, afirma Fabiana.
Fabiana Peneireiro acredita que devemos nos (re)conectar com a natureza. O que podemos fazer com as sementes do mamão após comê-lo, por exemplo? Onde jogar essas sementes? Depois da poda de uma planta, por que não usamos suas folhas para cobrir o solo? Foram algumas indagações feitas por Fabiana. De acordo com ela, precisamos nutrir a terra porque a terra é viva, e, explica:
“A terra é o ser vivo mais faminto que existe. Pequenas ações como destinar matéria orgânica para a terra já representa uma pequena mudança de comportamento que trará benefício, pois somos dispersores de sementes. A matéria orgânica colocada na terra desaparece, some, porque a vida do solo vai consumir esse material e ao mesmo tempo gerar possibilidades de mais vida. É um elo importante na nossa conexão com a terra via semente e via dinâmica da matéria orgânica. Isso é algo que a natureza nos ensina, em uma floresta o solo não é limpo, ele é todo coberto com matéria orgânica. Os pássaros, os mamíferos, os animais dispersam sementes, plantam, semeiam. Um modo de prosperar o sistema vivo, que é a floresta”.
Sobre a vivência Agrofloresta por Mulheres
Fabiana relata que a ideia da vivência nasceu a partir da iniciativa de algumas jovens mulheres que a procuraram. Pelo fato da agrônoma acreditar na transformação, na construção de sociedades mais resilientes, que possam proporcionar um presente mais humano na linha da lógica do bem-viver, decidiu colocar em prática a ideia e vê na vivência uma possibilidade de estar bem em um lugar, mas também de estar em um espaço onde é possível pensar/refletir sobre as gerações vindouras, a questão climática, a perda da biodiversidade, a falta de oportunidade igualitária, injustiças sociais. Os assuntos aqui mencionados fazem com que ela acredite que as mulheres podem e devem exercer um papel fundamental de mudança e transformação na sociedade. Fabiana justifica a escolha do título da vivência: “É agrofloresta por mulheres e não para mulheres, dentro da perspectiva da gente construir o conhecimento em conjunto, uma troca. Eu levarei para a vivência minha experiência de vida, mostrarei um pouco do trabalho que exerço na Ecovila, mas ao mesmo tempo, será uma partilha de experiências entre as participantes. Dialogaremos e trabalharemos juntas. Vivenciaremos não somente as atividades de plantio, manejo, mas também o preparo de alimentos, compartilhamento de visões de mundo, percepções sobre a vida”.
A vivência Agrofloresta por Mulheres acontecerá de 2 a 4 de agosto, na Ecovila Aldeia do Altiplano. Serão três dias de interação com as agroflorestas, aprofundamento na parte conceitual, momento cultural, dentre outros desdobramentos.
Vivência Agrofloresta por Mulheres, um encontro de possibilidades, permeado de saberes. Diversos, Sustentáveis e Femininos!
Informações sobre a vivência Agrofloresta por Mulheres:
Telefones: (61) 99912-5380 I (62) 99345-1055
Instagram: @csaaldeia
A Rádio Eixo conta com o fomento do FAC - Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal
Para ouvir a matéria, acesse: https://soundcloud.com/radioeixo/narayana-teles-agrofloresta
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