Alberto Salgado é multi-instrumentista, intérprete, compositor, arranjador, professor de violão e autor de uma música que soma ritmos africanos e afro-brasileiros com o violão clássico, ou seja, faz uma MPB dessas de dar gosto. Possui uma série de parcerias com grandes nomes da MPB, é autor de mais de 300 composições e carrega consigo 17 prêmios.
Tem dois discos lançados: Além do Quintal, de 2014, e Cabaça d’Água, de 2017. No último, dez canções, entre composições próprias e outras realizadas em parceria com Chico César, Arthur Maia, Silvério Pessoa, Climério Ferreira e Werner Scheller. Com esse álbum, Cabaça d’Água, o músico ganhou o Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Álbum Regional.
Paola Antony – Alberto, venho escutando seus discos nesses dias e os estou adorando. Percebi que, nas letras, há muito de mar, de jangada, de vela, de praia, de isca, de pesca...
Alberto Salgado – De compromisso com o meio ambiente, sempre há uma música em defesa do meio ambiente. Acho que a gente tem de aproveitar o lugar que ocupa para defender as coisas que gosta de defender. Então, é uma música ativista também, de certa forma. Não só para dançar, mas para refletir e tocar algumas pessoas nesse sentido.
Paola Antony – Interessante, porque é ativista, mas não panfletária. Tem a questão dita clara e poeticamente. É música brasileira, a sonoridade é Brasil.
Alberto Salgado – Eu acho que esse é um dos fatos que percebo quando faço shows nos Estados Unidos, por exemplo. O público de lá gosta muito, e eu falo assim: "Nossa, mas como que eles gostam, eles nem sabem o que eu estou cantando". Mas é tão bom também cantar em português e o pessoal sentir, gostar, aplaudir, gritar, o pessoal fica doido. Então, acho que é essa parte musical, né? A questão da música, melodia, ritmo. Acho que é isso que faz com que nossa música, independentemente de ser entendida pelas palavras, consiga tocar as pessoas.
Paola Antony – Pois é, eu a achei visual, me identifiquei como sendo parte de mim, sabe? Como se eu estivesse no Nordeste, por exemplo, em alguns músicas; em outras, no sertão. Talvez Minas, mas eu me vi ali, eu vi o Brasil.
Alberto Salgado – (risos) Ah, eu adoro isso! Nos ritmos, na batida. Há muitas coisas da África também, porque eu comecei na música pela capoeira, já veio essa influência diretamente na minha veia musical.
Paola Antony – Olha, que legal! Então, quem o levou para a música foi a capoeira. Você tocava berimbau?
Alberto Salgado – Berimbau, atabaque, pandeiro, e comecei a compor primeiramente nas rodas de capoeira. Treinei desde os 8 anos de idade, me formei professor e depois eu quebrei a perna, fiquei nove meses de gesso, aí eu falei: "Tenho de fazer alguma coisa, porque não dá para ficar parado". Foi aí que comecei a tocar um instrumento de corda, que foi o cavaquinho, aprendi sozinho, e depois mudei para o violão, porque o cavaquinho é muito agudo. Sempre que eu tocava uma nota aguda, dava uma pontada no meu ouvido, então, pensei, vou pegar um instrumento um pouco mais macio para o meu ouvido.
Paola Antony – Você tinha quantos anos, mais ou menos?
Alberto Salgado – Dezenove anos quando fui para o violão. Tinha 19 anos quando quebrei a tíbia e o perônio.
Paola Antony – Jogando capoeira?
Alberto Salgado – Jogando capoeira.
Paola Antony – Incrível de onde as coisas partem. Na presença ou na ausência, foi a capoeira que lhe deu o norte.
Alberto Salgado – Exatamente. Tudo que eu tinha de música tinha como referência a capoeira, apesar de meus pais curtirem muito música boa. Meu pai ouvia muito samba, bossa nova. A minha mãe já é mais eclética, ela curte tudo, e isso também influenciou muito minhas composições, fazer músicas mais universalistas, de certa forma, várias linguagens diferentes. No mesmo disco, você percebe que há uma música totalmente diferente da outra, mas, ao mesmo tempo, há uma coisa que une todas. Há um fio que faz com que a identidade não se perca.
Paola Antony – E isso é consciente, Alberto?
Alberto Salgado – Mais ou menos. A escolha acho que é mais consciente, mas a composição eu gosto de fazer primeiro sentindo.
Paola Antony – Alberto, e esse caminho de que você falou, da capoeira, da aprendizagem dos instrumentos até você entender realmente que queria ser músico, como foi?
Alberto Salgado – Isso foi depois que eu compus várias músicas. Entrei em vários festivais de música e ganhava tudo quanto era festival. Aí eu falei,"Uai, então tenho de viver de música, eu entro no festival e ganho, devo ser bom nisso. Então vou ficar aqui, vou acreditar nisso". Outra coisa que me fez acreditar foi quando eu ia para o Sine tentar arrumar emprego e nunca conseguia e, quando conseguia, a grana era menor do que a que eu ganhava no bar. Essas coisas me ajudaram a me manter firme.
Paola Antony – Alberto Salgado, do seu primeiro disco, Além do Quintal, que músicas você escolhe para a gente ouvir aqui no Cumbuca, na Rádio Eixo?
Alberto Salgado – Além do Quintal, que é a música que dá nome ao disco, é legal. Para você sambar; o pessoal também gostou muito. Marinheiro, que eu compus com o Rafael Miranda e o José Pereira da Silva, com a participação do Arthur Maia, que foi um grande amigo e parceiro também, que gravou um contrabaixo maravilhoso, e a música Eliô, que compus com Zelito Passos, que para mim é a mais linda do álbum, é a que mais me toca.
Paola Antony – Por quê?
Alberto Salgado – Eu estava na casa do Zelito Passos e vi um quadro lindo; era um jarro. O quadro era todo azul, só que tinha um azul mais escuro que fazia o contorno do jarro, com milhões de tracinhos. Eu fiquei viajando nesse quadro e perguntei: "Que quadro lindo, quem pintou?". O Zelito me falou: "O Eliô". A ex-companheira do Zelito trabalhava no Sarah Kubitischek e esse quadro era de um paciente de lá, que o pintou com a boca. Ele não mexe nenhum membro. Eu falei: "Esse cara merece uma música, vamos fazer uma música agora". Eu e o Zelito compusemos.
Paola Antony – Sobre o Cabaça d’Água, um novo momento na sua trajetória, quais as lembranças que você tem, que o levaram ao disco?
Alberto Salgado – Ah, foi surgindo, parcerias, nada programado. Mas há outro disco muito importante para mim, que fiz com grandes parceiros, Marcos Canduta e Manoel Herzog, que se chama Canções de Amor Caiçara. Participamos eu, Zeca Baleiro, Chico Buarque, Carlos Careqa, e foi uma experiência incrível. Nesse caso, é uma música deles e foram eles que me convidaram para participar e foi maravilhoso estar ali com o padrinho Chico Buarque. Eu o chamo de padrinho, porque foi ele quem me lançou. Ele tirou uma foto com meu álbum e a colocou no Instagram oficial dele, depois me convidou, fui lá no Rio, conheci muita gente boa e, depois disso tudo, ele me deu esse grande parceiro de presente, pois fizemos um monte de músicas juntos, que é o Manuel Herzog, grande escritor de Santos, e o Herzog fez esse álbum e me convidou para participar dele também. Disco lindo, quem quiser ouvir pesquise Canções de Amor Caiçara.
A entrevista completa de Alberto Salgado para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
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