Narayana Teles
Brasiliense e neto de nordestinos, Alberto Salgado estreou na música de maneira inusitada, ao som de atabaques e berimbaus soados nas rodas de capoeira. Trocou o cavaquinho pelo violão. Mas, nunca abandonou sua alma percussiva. Seu som é contemporâneo. É de um estilo único e cheio de ginga. Herança da Capoeira? Talvez.
Em um bate-papo descontraído com a Rádio Eixo, Alberto fala de sua carreira e de seu trabalho atual: Tutorial de Ebó, considerado por ele seu álbum mais dançante.
Narayana Teles_ Alberto, eu conheço seu trabalho já faz um tempo e percebo nele traços bem nordestinos quando você faz menção ao mar, jangada, sandália de couro de São Francisco, cabaça...
Existe uma relação afetiva com a Região Nordeste?
Alberto Salgado_ Ah, eu adoro o Nordeste. Tenho grandes amigos lá. Sou descendente de nordestino, meu avô paterno é pernambucano, meus avós maternos são baianos, minha avó materna, carioca. Eu tenho esses laços familiares, esse gene do Nordeste, inclusive, quero viver minha fase mais madura, quando tiver idoso, lá em João Pessoa-PB, amo aquele lugar, gosto de tudo no Nordeste. Para mim o Nordeste é a maior expressão brasileira que a gente tem, quando eu penso em Brasil, meu pensamento vai diretamente para o Nordeste.
Narayana Teles_ Da capoeira para a música...
A capoeira perdeu um jogador e a música ganhou um grande artista? O premiado álbum “Cabaça D’água”, de 2017, é uma prova do que acabo de dizer. Concorda?
Alberto Salgado_ (risos) Concordo, mas assim, caramba! Meu corpo fica totalmente arrepiado quando eu entro em uma roda de capoeira, eu amo muito esse esporte. Foi na capoeira que eu aprendi o verdadeiro conceito de arte marcial porque pra mim a capoeira é uma arte mesmo, que envolve o canto, a criação de cantigas, aprender a tocar os primeiros instrumentos: atabaque, berimbau, acaba que eu jogo a musicalidade da capoeira no trabalho que eu faço como compositor, cantor, violonista. Eu continuo trazendo a capoeira, só que infelizmente eu não entro mais nas rodas como jogador. Eu carrego a influência dela. No álbum “Além do Quintal”, de 2014, eu gravei o berimbau na música “Além do Quintal”, o título é homônimo ao álbum, e no álbum “Cabaça D’água”, de 2017, também toquei berimbau, e eu adoro isso, o que eu posso trazer ainda da capoeira para o meu trabalho é dessa forma. Eu continuo trazendo, sempre vou trazer, sempre que for necessário, que eu sentir essa necessidade de contar o que aprendi na capoeira, ainda estarei aplicando esses conhecimentos na minha música.
Narayana Teles_ Então, você é autodidata, já que a sua inserção na música foi pela capoeira.
Alberto Salgado_ Meu primeiro instrumento mesmo de corda foi o cavaquinho, comecei sozinho, mas por ser muito agudo, as notas agudas doíam um pouco no meu ouvido, então parti para o violão. Peguei um violão emprestado e comecei a treinar na calçada olhando revistinhas de cifras de música, depois de um tempo, já tocando algumas baladas, eu compunha, mas no dia seguinte não lembrava da melodia. Aí algum colega indicou que eu estudasse violão clássico para aprender a ler partitura, dessa forma eu poderia anotar as melodias na partitura para no dia seguinte ler e lembrar delas. Eu não tinha radinho para gravar. Então, eu entrei em uma orquestra de violões, que ainda existe no Teatro de Sobradinho, lá, eu aprendi a ler as partituras, algumas técnicas do violão erudito e misturei com essa musicalidade que eu já tinha adquirido, uma experiência sozinho mesmo, eu somei isso aos conhecimentos do violão erudito, violão clássico e acabei descobrindo um estilo de tocar, que é esse meu jeito de tocar violão que o pessoal gosta, tem gente que elogia muito, tem uma pegada percussiva também, bem dançante, os sons bem divididos, os baixos bem marcados, foi dessa vivência toda. Ainda tem um suingue, um gingado da capoeira também nessa forma de tocar violão.
Narayana Teles_ Você se considera um artista-ativista? Porque é perceptível em suas canções críticas à destruição do meio ambiente.
Alberto Salgado_ Sim, sim. Também, claro. É porque eu acho que a arte existe para nos dar mais sentido a tudo na vida, a nos dar prazer, nos fazer refletir sobre certos momentos que a gente está atravessando e dependendo da música esse sentimento fica mais vivo dentro da gente, então, também, a gente tem que aproveitar esse espaço da música pra defender as pautas que a gente considera certas, corretas, sensatas. Como, por exemplo, a defesa do meio ambiente, a crítica contra a injustiça social, eu aproveito o espaço que eu ocupo na música para poder falar sobre tudo isso também. Eu até agradeço à própria música pela oportunidade de poder contribuir dessa forma.
Narayana Teles_ Vamos falar de amor...
“Para ser um bom batuqueiro tem que ter mão firme e pandeiro no coração”, esse pandeiro tem sobrenome: Carol Senna?
(Trecho da música “Sambaião”, do álbum “Além do Quintal”, de 2014. Carol Senna toca pandeiro e é parceira e companheira de Alberto Salgado)
Alberto Salgado_ Essa música eu compus antes de conhecer a Carol Senna. Compus essa música com Zelito (Passos), mas, eu acho que na verdade era uma premonição, o que mais me faz sentido hoje em dia de ter falado isso, que talvez tenha sido uma frase que eu precisava encontrar apenas pra rimar, mas que coube no contexto todo da música (gargalhadas), e, hoje, cabe mais ainda na minha vida pessoal mesmo, que é a Carol Senna, sem dúvida nenhuma. É a mulher que... nossa! Que eu amo demais. Eu amo todos os dias essa pessoa maravilhosa, assim, eu fico até emocionado de falar dela. Ah, ela é a mulher que mais me ensinou sobre o universo feminino, o mundo feminino, tudo que eu venho amadurecendo desde que eu a conheci, sabe, assim, é... é realmente emocionante, é a mulher da minha vida. Aqui em casa a gente compete, a gente briga pra saber quem ama mais, essa é a briga que a gente tem em casa, sabe? Ela é o pandeiro do meu coração, com certeza. A gente faz tudo junto. É impressionante. Ela é a artista gráfica do álbum, ela fez as artes gráficas do álbum “Cabaça D’água”, de 2017, e fez agora do “Tutorial de Ebó”. Ela é tudo mesmo na minha vida, é impressionante como ela está presente em tudo e eu acho ótimo isso, minha vida é muito melhor por conta disso. (suspiros) A Carol é minha designer gráfico, eu vou bolar um texto para fazer uma divulgação, aí ela dá aquele arremate, numa coisa aqui, outra ali, sabe? Eu não consigo beber cerveja sem ela, ela é minha parceira de cerveja, de bar, de tudo. Ela é tudo que me dá prazer, alegria, e mais vontade de viver, com mais felicidade. Carol Senna é... Ah, ela sabe o tanto que ela é especial, a minha família toda sabe, ela é demais. Sou fã dela e todos os dias amo essa mulher, ela é demais mesmo.
Narayana Teles_ “Tutorial de Ebó” será lançado dia 1º de agosto, no Clube do Choro, estou curiosíssima, já soube que é o álbum mais dançante da sua carreira, que traz arranjos contemporâneos em Ijexá e Samba, fala pra gente sobre o “Tutorial de Ebó”, terceiro álbum autoral.
Alberto Salgado_ É um álbum super pra cima. Depois que eu lancei o “Cabaça D’água”, em 2017, foi premiado no Prêmio da Música Brasileira, muito legal, esse prêmio é muito importante pra carreira da gente que é artista, especialmente artista independente, porque ecoa até hoje, eu consigo outros trabalhos através desse reconhecimento que tive, eu passei por uma parte difícil da vida na época da pandemia, aquela falta de esperança, ficou tudo muito sombrio. Aí, eu simplesmente parei de tocar, mas comecei a produzir outras pessoas, graças a essas pessoas e aos meus alunos (também dou aulas de violão) - eu adoro compartilhar meus conhecimentos - eu não me afastei completamente da música. Eu não pensava em lançar álbum. Mas, eu tenho dois grandes parceiros, que disseram: Vamos fazer música! Um deles é o Lauro Lisboa, ele me enviou uma série de letras e eu fiz uma série de músicas para essas letras, todas elas muito boas. E o Leonardo Lichote, que botava letra no arranjo que eu fazia. É o caso da música que tem o título homônimo ao álbum: “Tutorial de Ebó”. Acho que foi a primeira ou a segunda que a gente compôs, depois fizemos “Teresa do Porto da Barra”, e, “Maracujá”. Ainda não toquei as outras, mas “Maracujá” algumas pessoas já ouviram, e quem escuta já começa a dançar, assim, automaticamente, é bem legal. Música bem alto-astral, enfim, esse álbum realmente é uma outra coisa. Eu entendo cada álbum como um filho. E cada filho, biologicamente, também tem uma diferença do outro, e do outro. E esse filho não é diferente, ele também é diferente dos outros (gargalhadas). O primeiro álbum que eu fiz “Além do Quintal”, em 2014, ele serviu como um catálogo dos próximos álbuns a serem gravados. Tem um ijexá no “Além do Quintal”, que é a música “Pele do Mar”, no “Tutorial de Ebó”, tem uns 3 ou 4 ijexás.
Narayana Teles_ Você pertence a alguma religião de matriz africana? O título de seu novo trabalho chamou minha atenção, já que faz referência a Ebó.
Alberto Salgado_ Eu já fui da Umbanda, tenho muito respeito pelo Candomblé, pela Umbanda, na verdade eu respeito todas as religiões. O título é uma coisa interessante, foi o título da letra que o Leonardo Lichote me enviou. Eu gostei tanto que eu coloquei no título do álbum o mesmo título da letra. Acho que é importante eu falar a história da letra pra você entender. Ela faz uma crítica à pessoa que quer tudo fácil, que quer tudo na mão. Quer fazer um trabalho de vingança contra outra pessoa, só que não vai ao terreiro, não pisa, não frequenta o Candomblé, a Umbanda, e aí vai buscar na Internet algum tutorial de Ebó, só que falha o 4G da pessoa, então não deu bom o Ebó que a pessoa fez. Não deu certo porque o Bira não era do terreiro. Essa pessoa se chama Bira. É tudo uma brincadeira porque nessas religiões não tem nada de mau. É apenas algo que está no imaginário de muita gente, especialmente em pessoas preconceituosas. Candomblé e Umbanda são religiões que eu já convivi, passei um tempo na Umbanda e eu nunca vi absolutamente nada de mau nessas religiões. Na verdade, eu vejo muita união, muito amor, muito querer bem às outras pessoas. É muito boa a tua pergunta porque também dá essa oportunidade, são religiões seríssimas, que precisam ser levadas a sério. Só tem coisa boa mesmo, na verdade é isso, e são as religiões mais atacadas, daí você vê que esse ataque não é por ser uma religião, mas sim por ser uma religião do povo preto, do povo africano. Uma religião do povo afro-brasileiro. Tem algumas religiões que falam que é coisa do demônio, mas, não, isso é desculpa, simplesmente para atacar uma religião do povo que mais sofre preconceito nesse mundo inteiro.
Tutorial de Ebó chega às plataformas digitais no dia do show de lançamento, 1º de agosto (quinta-feira), no Clube do Choro, em Brasília-DF.
Tutorial de Ebó, de Alberto Salgado
Local: Clube do Choro
Endereço: St. de Divulgação Cultural Bloco G, entre o Eixo Cultural Ibero-Americano e o Centro de Convenções Ulisses Guimarães
Dia e horário: 1º/8 (quinta-feira), a partir das 20h
Ingresso: R$ 30 (inteira)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Endereços do artista na internet:
A Rádio Eixo conta com o fomento do FAC - Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal
A entrevista em áudio com Alberto Salgado e músicas do Tutorial de Ebó estarão no Programa Atravessamentos , dia 1º de agosto, a partir das 12h.
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