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Yago Quiñones Triana

Clandestino - Rock Flamenco

Programa Clandestino 153 – Rock Flamenco

 

Nota 1

Está começando agora, mais um Programa Clandestino, aqui como sempre na Rádio Eixo, música sem algoritmos.

A gente começou este nosso Programa, ouvindo a magnifica música El Lago, do lendário grupo Triana, do sul da Espanha, talvez o grupo de rock mais reconhecido do Flamenco, que vai ser nosso tema, que vai ser o gênero musical ao qual vamos a dedicar este nosso Programa Clandestino. Por isso vamos a misturar um pouco, duas tendências, duas vertentes, do que pode tal vez ser considerado como dois produtos do mesmo contexto musical e histórico, que seria o Rock Andaluz o e o Flamenco Rock. Tem pessoas que dividem, que separam indiscutivelmente o Flamenco Rock e o Rock Andaluz, mas esses dos movimentos compartiam um mesmo contexto e compartiam muitas vezes as mesmas sonoridades, em alguns casos inclusive os mesmos artistas.

Mas é verdade que o Rock Andaluz de Sevilha e de algumas cidades vizinhas nasceu, teve uma história muito fácil de identificar e está relacionado de uma forma bastante simpática com a situação do sul de Espanha nos anos 70 do século XX. Estávamos no meio da Guerra Fria, mas também no meio de uma ditadura, a Espanha e o Estado espanhol tinham acordado com os Estados Unidos, com o exército norte-americano, a colocação de duas bases norte-americanas, isso no meio da Guerra Fria, no meio de uma ditadura de direita. Isto é, tudo numa uma onda de conservadorismo e de caretice, mas aconteceu exatamente o contrário. Essas grandes bases que os militares que ocuparam, militares norte-americanos, na época dos anos 60, início dos anos 70, trouxeram, bem pelo contrário, as suas próprias músicas, a sua própria cultura. Essas bases perto de Sevilha criam então uma porta de entrada para discos e músicas, sonoridades que no resto da Espanha eram desconhecidas, inclusive talvez proibidos, já que a ditadura de Franco, era uma ditadura católica, conservadora: dos bons costumes, da família, da pátria e de Deus. Mas aquelas bases militares colocaram entre aqueles jovens, na época dos hippies nos Estados Unidos, colocaram na juventude espanhola, a semente da contracultura.

Os jovens começaram a se encontrar nos bares, encontraram-se com os soldados que saiam das bases e começaram a compartilhar. Surgiu até o lema de que os ciganos eram iguais aos negros, eram dois povos com um grande sentimento de dor, com um grande passado de sofrimento, um grande passado de escravidão. E até começou a surgir a teoria de que um palo, um ar, um ritmo flamenco, a bulería, seria semelhante ao blues. Que ambos trouxeram esse sentimento, aquela poesia e sofrimento, aquela poesia muito profunda. E então começa a surgir um diálogo muito interessante. E os grupos de jovens que formaram suas bandas simplesmente não queriam imitar o rock, não queriam imitar o rock de protesto, o rock psicodélico, queriam fazer sua própria versão com as suas raízes, reconhecendo que tinham raízes que também poderiam dialogar não só com o ritmo, não só com a música.

Aquele sentimento entrou pela porta de atrás daquela ditadura militar, entrou pela porta de trás o germe da cultura hippie e da contracultura do grupo Triana, que tal talvez é o expoente mais importante, o mais reconhecido, talvez o expoente com maior sucesso em termos de vendas naquela época. Mas ele não foi o único e não foi pioneiro, as coisas começaram um pouco mais atrás, o grupo Triana lançou seu primeiro álbum em 1975, mas outros grupos importantes já estavam se formando, entre eles o Smash, que vamos ouvir com a música Alameda Blues, que tinha músicas muito importantes como El Garrotin, que é um pouco mais comercial e mais conhecido, mas escolhemos a Alameda Blues para trazer um pouco do que era o projeto de rock Andaluz. Eles pegam a música tradicional do flamenco e misturam com os sons do rock progressivo, do rock psicodélico, percebendo que os corais em inglês funcionavam muito bem com letras em espanhol e com letras cantadas claramente em ritmo flamenco.

E continuaremos ouvindo o grupo Nuevos Tiempos, um grupo que durou pouquíssimo tempo. Aliás, quase todos esses grupos tiveram uma duração extremamente curta, dois, três anos, com sucesso de vendas praticamente nulo, mas abriram caminho para outros grupos que viram anos depois. Continuaremos ouvindo um grupo muito importante, o Gong. Lembremos que tem também uma gravadora chamada Gong, deles escutaremos a música El Botellón, junto com That's Right, já que vamos ouvir o single completo, uma das poucas gravações que existem deste grupo, lançada em 1971. A música El Botellón, que não significa outra coisa em espanhol do que você ir na rua, se sentar em um parque, abrir uma jarra de vinho, uma cerveja, e fazer festa na rua, que era exatamente o que os jovens, os hippies, faziam naquela cidade extremamente conservadora que era Sevilha. Era como tomar conta dos parques, ir para a rua, fumar, beber, fazer a própria vida, a própria liberdade, para incomodar a sociedade bem-pensante. E vamos continuar com o grupo Goma, com a música Madre Tierra, esse grupo que pega um pouco da mistura de flamenco e rock, e vai trazer um pouco mais de rock progressivo. E fecharemos esse nosso primeiro bloco, escutando o grupo Granada, que esteve ativo de 1974 a 1979, com a música Hablo de una terra.

 

Nota 2

Continuamos o nosso Programa Clandestino, ouvindo um pouco de Rock Andaluz, aqui no nosso Programa Clandestino. No primeiro bloco ouvimos um pouco sobre os pioneiros, no início dos anos 70, do Rock Andaluz, grupos que muitas vezes duravam pouco tempo, grupos que realmente faziam parte de um movimento cultural maior lá em Sevilha, que lidava com os novos sons vindos das bases militares norte-americanas, mas também com outros recursos provenientes dessas bases militares. É publicamente reconhecido que o LCD circulou livremente, não como droga, mas como forma de abrir canais e abrir a percepção, como recurso criativo para produzir, para criar novos sons, e aqueles primeiros grupos realmente nascidos em Sevilha, criaram um movimento cultural. Fazer essa cultura era adaptar a cultura dos hippies, a contracultura a uma sociedade conservadora.

Muitos deles praticamente não tiveram sucesso comercial, com uma vida artística muito curta. Mas alguns outros tiveram um grande sucesso, até um grande sucesso como o Grupo Triana, e acabaram saindo de Sevilha, no sul da Espanha que, dentro da indústria musical, era uma cidade relativamente periférica. E acabaram chegando as grandes cidades, Madrid, Barcelona, ​​e houve gravadoras grandes que lhes deram uma divulgação um pouco maior. Neste segundo bloco vamos ouvir alguns representantes, digamos, daquilo que seria a segunda onda do Rock andaluz, já um pouco mais consolidado, talvez menos experimental, talvez menos disruptivo, menos surpreendente, com um público que já se acostumava com essa proposta. Que mantêm, sim, a ligação com as raízes do flamenco, a ligação com a forma de cantar, com os sons, com os ritmos do flamenco e um pouco também com a temática e estética do sul de Espanha. As capas sempre fazem referência à cultura da cigana, à cultura árabe, à bela ancestralidade do Norte de África e às histórias e figuras dessa cultura, sempre tentando criar um contraste com a cultura imposta, com a cultura global, traçando um pouco esses sons, traçando um pouco aquela proposta. Seria a versão do que foi feito aqui no Brasil, como a tropicalização da cultura.

Ouviremos, então, o grupo Medina Azhara, cujo nome já demonstra tudo o que temos falado, escutando a música chamada Andalucia. Continuaremos com o grupo Vega, surgido em 1977, com a música Lamentos. E continuaremos ouvindo a música Canção da Lagarta, cantada pelo grupo Imán Califato independiente, que também demonstra um pouco o que já se falou: chamando o grupo de Imán Califado Independente, claramente se faz referência aos árabes, à cultura mediterrânica. E continuaremos ouvindo a música do grupo Cai, Más allá de nuestra pequeñas mentes, o grupo Cai que, junto com o grupo Guadalquivir, já trazem mais influências do jazz. É praticamente um grupo de jazz-fusion, mas não se afasta das suas raízes. Você poderá notar alguns sons, principalmente os ritmos, a forma de cantar tem uma clara a referência à tradição do Sul de Espanha, à tradição flamenca e à tradição Cigana, mas como as influências do rock-fusion. Às vezes parece mais com Chic Corea, ou até com Jethro Tull, é mais um rock progressivo. É o Programa Clandestino, reunindo um pouco da segunda onda do que seria o Rock Andaluz da Espanha. O Programa Clandestino, como sempre na Rádio Eixo.

 

Nota 3

E vamos ao nosso terceiro e último bloco do nosso Programa dedicado ao Rock Andaluz ou Flamenco Rock. Aliás, neste último bloco já deixamos um pouco que seria o Rock Andaluz, entre aspas, mais tradicional, mais puro, e vamos ouvir um pouco de música associada mais ao que foi reconhecido como Flamenco Rock, que seria o caminho oposto. Se, em tese, aqueles grupos que ouvimos no primeiro e no segundo bloco faziam rock trazendo alguns elementos de flamenco. Esses grupos que vamos ouvir agora seguiriam o caminho oposto, pegaram o flamenco, as raízes do flamenco e introduziriam alguns elementos do rock. Essa distinção é um pouco arbitrária, a verdade é que a música é mais fluida. A música em momentos de experimentação, em momentos de efervescência cultural, é muito difícil de definir, e talvez as coisas sejam mais complexas.

Começaremos este último bloco ouvindo a música de um álbum verdadeiramente espetacular que foi gravado pelo grande guitarrista Sabicas junto com Joe Beck. É um álbum de rock que nem fica muito claro se foi gravado em 1966 ou 1970. É realmente um álbum pioneiro, neste último bloco você ouvirá outros discos que as pessoas consideram ser o primeiro disco que teve Rock e Flamenco. Mas um dos primeiros álbuns pioneiros foi aquele álbum de rock do grande Sabicas, que talvez seja reconhecido por muitos como o maior guitarrista da música flamenca dos nossos tempos. Há muitos artistas reconhecidos como Paco de Lucía ou Vicente Amigo mas, ao que parece, Sabicas na sua época modificou totalmente a guitarra espanhola e começou a fazer coisas que ninguém tinha feito antes. Mas neste disco foi deixado um pouco o tradicional, que é algo muito complexo na cultura, no mundo do flamenco, um mundo extremamente conservador, no sentido musical, no sentido das tradições. Ele sempre foi criticado por isso, ainda hoje é muito criticado, sendo uma figura extremamente reconhecida no mundo do flamenco, ele vai aos Estados Unidos e gravar um álbum espetacular misturando toda a sua habilidade da guitarra tradicional, do flamenco, com o som do Rock progressivo daquela época, do Rock norte-americano da época. Ouçamos então a música Zambras desse álbum, Rock Encounter.

E continuaremos com um álbum que foi gravado nove anos depois, que é muito famoso, La Leyenda del Tiempo de Camarón de la Isla, gravado com o produtor Ricardo Pachón, que também foi produtor do Grupo Triana, também foi produtor do Grupo Pata Negra, e que realmente rompeu um pouco com várias tradições, rompeu um pouco com vários cânones. Ele e Camarón de la Isla, naquela época, um dos mais reconhecidos cantores de flamenco que depois com o tempo, talvez virasse o cantor de flamenco contemporâneo mais importante, eles juntariam alguns poemas e gravariam aquele disco. Quando esse álbum sai Camarón de la Isla é fortemente criticado, o álbum tem um número de vendas muito pequeno, muito modesto, alguns alegaram que Camarón tinha acabado com a sua carreira, mas hoje é reconhecido como um álbum de fusão fundamental que rompeu com vários cânones.

E continuaremos com um álbum muito interessante, do efémero Grupo Veneno formado por Kiko Veneno e os irmãos Amador, um álbum espetacular, um álbum que também foi um fracasso total de vendas, mas que hoje é considerado um álbum totalmente inovador, não só ao nível musical, mas pela produção, pela liberdade artística que eles tinham, mas também nas letras, na poética totalmente disruptiva. Um grupo que durou um ano e depois se separou. Mesmo depois dessa separação, os irmãos Amador formariam um grupo muito importante, o Pata Negra, produzido por Ricardo Pachón, e que incorporaria toda a habilidade da musicalidade dos irmãos ciganos, os irmãos Amador, e iria mais para o lado do blues, tendo um pouco mais de sucesso comercial. Deles ouviremos a música Pasa la Vida

E fecharemos nosso Programa Clandestino, ouvindo a música espetacular, lançada no disco Omega, também chamada Omega, e que junta o Enrique Morente com um grupo chamado Lagartija Nick. Esse disco, lançado em de 1996, pega alguns poemas de Federico García Lorca e Leonard Cohen e mistura o Rock contemporâneo, o Rock moderno, às vezes o Rock pesado, progressivo, muito experimental, com o jeito de cantar de Enrique Morente, também da família Morente, grande representante do flamenco tradicional, do flamenco clássico , que foi extremamente criticado na época por abrir mão de tradições, por abrir mão de toda a sua cultura, por misturar essa cultura com sons contemporâneos, com sons de outros lugares do mundo.

E algumas pessoas também, nesse caso, na primeira vez que ouvem o álbum Omega, acham que é uma inovação, que é um álbum inovador, um álbum extremamente disruptivo, de 1996. A verdade é que toda aquela transformação tinha começado anos atrás com Sabicas e outros expoentes. Mas esse disco é extremamente importante por revolucionar o flamenco, por demonstrar que não foi só uma época, não foi uma iniciativa de um determinado momento histórico aquela de mudar o flamenco, de estabelecer um diálogo com outras personalidades, mas sim uma experimentação que se produz até hoje. E hoje, talvez, ainda haja conservadores que devam reconhecer que estas experiências deram certo e todos aqueles álbuns com o passar do tempo, foram reconhecidos como obras extremamente bem-feitas, extremamente bem produzidas, e que criaram um diálogo sincero, respeitoso, que demonstrou que as tradições podiam ser colocadas em diálogo com a experimentação.

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