Programa Clandestino 128 – Sonideros
O Programa Clandestino número 128 é dedicado à cultura popular dos sonideros no México. A seguir apresentamos as transcrições das falas explicativas do episódio. Se perdeu esse programa ao vivo, ainda dá para escutar na plataforma Soundcloud
Nota 1
Começa agora mais um programa Clandestino aqui, como sempre, na Rádio Exo. Lembrando que nessa temporada 2024, o nosso programa Clandestino é um projeto realizado com recursos do Fundo do Apoio à Cultura, FAC-DF. E, dessa vez, vamos dedicar nosso espaço a um fenômeno popular extremamente interessante, extremamente particular, muito divertido e, por vezes, inclusive genial.
Se trata dos sonideros, que são aquelas aparelhagens, como se chamam também no norte do Brasil, aqueles aparelhos de som gigantescos que, junto com os seus toca-discos, naquela época, formavam uma festa nas ruas, formavam uma festa nos bairros populares. No México são conhecidos como sonideros, na Jamaica sound system, e são toda uma cultura também e estão praticamente associados ao ritmo musical do dub. Conhecidos no norte do Brasil como as aparelhagens, as festas de aparelhagem são muito comuns. Na Colômbia, existem também os picó, que são toda uma personalidade nos bairros populares e nas cidades do norte da Colômbia, tocando especialmente champeta. Também existem na Venezuela, conhecidos como as minitecas.
Desta vez, vamos nos dedicar aos sonideros do México. O programa era para ser um especial sobre esse fenômeno popular em latinoamérica, mas é tanta riqueza cultural e musical desse fenômeno, que vamos dedicar desta vez um programa completo aos sonideros do México. Basicamente, aos sonideros dos bairros ou das colônias, como chamam eles aos bairros populares do D.F., do México D.F., mas também aos sonideros da cidade de Monterrey, que é particularmente conhecida pelos seus sonideros, especificamente de cumbia.
O sonideiro é um fenômeno cultural muito interessante, porque surge nos bairros populares, surge de pessoas amadoras que espontaneamente pegaram os seus discos e levaram para a rua as suas caixas de som, suas aparelhagens, e foram caprichando um pouco na qualidade do som e na potência do som, para ter um som cada vez mais forte, um som cada vez mais fiel. E como tinham várias pessoas dedicadas a isso, começa a se criar uma disputa, uma disputa entre eles, para saber quem era o mais popular, para saber quem tinha a música mais interessante, mais original, e quem tinha aparelhagens mais modernas e mais potentes. Devemos lembrar que estamos falando dos anos 60, 70 do século passado, onde era tudo analógico e onde, não tendo internet, a única fonte da música eram os discos, os vinis, que eram impossíveis de copiar.
Então, os sonideros, que são essas pessoas que vão atrás dos discos, que botam música, que tinham que conseguir, tinham que, às vezes, viajar para achar os discos mais originais, mais estranhos, digamos entre aspas, mais particulares, e dessa forma competir com o seu vizinho. Sendo assim, quem conseguia atrair mais o público, ganhava nessas disputas informais entre eles. E certamente, os sonideros são uma espécie de entidade estranha que mistura o operador, o aparelho. Eles geralmente têm um nome próprio, têm uma personalidade. E, às vezes, é mais importante a aparelhagem do que a própria pessoa. Os vizinhos conhecem mais o nome do sonidero, o nome da aparelhagem, do que o nome do dono da pessoa que opera ele.
Sendo assim, às vezes, por exemplo, o sonidero La Changa, o sonidero Sonido Berraco, o sonidero Fantasma, é muito mais conhecido, tem uma própria personalidade, uma própria estética, umas próprias características técnicas, que são mais importantes que o próprio operador. Esses sonideros, muito populares nos bairros do Distrito Federal do México e também em outras cidades, marca ainda e marcaram a vida dos bairros populares. Basicamente no início tocavam Salsa, Cumbia, outros ritmos caribeños, e hoje em dia tem mudado um pouco, mas criaram um pouco o gosto musical dos mexicanos pela música dançante e pela música popular. Vamos então começar escutando uma seleção de músicas de alguns sonideros, lá do DF, tentar recriar um pouco do ambiente e do ritmo musical desses bailes populares. E, como sempre, o programa Clandestino da Rádio Eixo.
Nota 2
Continuamos com o nosso programa Clandestino dedicado aos sonideros mexicanos, esse fenômeno musical e cultural popular dos bairros lá do México. Os sonideros eram protagonistas claramente das festas populares aos finais de semana nesses bairros que são chamados de colonias e que muitas vezes eram bairros de invasão, muitas vezes eram bairros não formalizados. Claramente, essas festas populares, a reunião das classes populares curtindo, se divertindo na rua, sempre cria moléstias. Sempre cria incómodos no poder, e durante muito tempo as elites e a grande milha categorizou e estigmatizou as festas de sonidero como uma reunião de delinquentes e pessoas que deviam estar trabalhando, ao invés perder o seu tempo, enfim. Todas essas críticas que a gente vê também muito comumente quando se fala nas festas populares, por exemplo, do funk carioca. É uma forma, é um modus operandi que a gente já conhece.
Como sempre, o povo, com sua expressividade e com sua cultura, consegue manter e consegue sobreviver e resistir. Essas festas populares, basicamente, pela dança e pela reunião das pessoas do bairro, criam um espaço coletivo de trocas e de reunião. E sendo assim, é muito importante nos sonideros, os cumprimentos. O sonidero, o operador do sonido, recebe várias mensagens para cumprimentar os vizinhos de outro lugar, de outra cidade, os próprios vizinhos ali do bairro. E às vezes passa um bom tempo cumprimentando e fazendo alusão às vidas do bairro, cumprimentando quem está de aniversário, quem tem alguma data especial para lembrar. Vamos escutar inclusive nesse nosso segundo bloco um trechinho de um sonidero mexicano lá cumprimentando toda a comunidade. Vamos escutando então uma seleção de músicas para vocês notar como a dança e como ritmos alegres são escolhidos especialmente para organizar as festas dos bairros populares aqui, como sempre, no programa Clandestino da Rádio Eixo.
Nota 3
E a disputa entre os sonideros não era só no plano da música, não era só para ver quem tinha os discos mais difíceis de achar, quem conseguia atrair o maior público, quem conseguia animar melhor o público, quem conseguia fazer ter ao público a festa mais animada. Era também uma disputa no plano técnico. Lembremos que estamos falando, ainda que os sonideros sejam hoje são fenômeno importante, estamos falando um pouco da época clássica dos sonideros, a época analógica, quando se usavam discos, e quando os próprios aparelhos de som eram talvez um pouco mais simples, um pouco mais intuitivos, não sendo digitais.
E os sonideros, no caso, os operadores dos sonideros que mexiam com o som, realmente eram uma espécie de engenheiros improvisados que queriam abrir os seus próprios aparelhos, que abriam os seus próprios aparelhos, tentando mexer, fazendo gambiarras para conseguir um som mais alto, um som mais nítido e ganhar do vizinho na potência e na qualidade do som. É possível achar na internet vídeos onde tem depoimentos nos quais eles falam precisamente disso, a disputa por achar, por importar novidades técnicas e conseguir avançar mais nessa disputa, conseguir mexer mais no seu sonido para dar um tom diferente, para dar um volume característico que conseguisse ganhar nessa disputa. Essas disputas às vezes realmente chegavam até o ponto de apostar a própria aparelhagem para certeza de quem era o melhor sonideiro pelas suas características, pela variedade dos discos que ele conseguia botar para tocar e pela capacidade da potência do som. Lembrando que estamos falando de vinis, era a época analógica dos vinis.
Assim, tem várias histórias realmente muito interessantes dos métodos, das estratégias que tinham entre eles para conseguir ter a música mais diferenciada e conseguir que o outro sonideiro não soubesse nem qual era a origem do disco. Assim, eles apagavam o nome das músicas, escondiam as capas para ninguém saber e para conseguir manter a raridade desses acervos musicais, que eram, aliás, muitas vezes difíceis de construir, difícil de achar. Evidentemente, com o digital, tudo isso mudou. Na era do Spotify, é simplesmente pegar a música e baixá-la, ou então na era do Shazam, aquele programinho, aquele aplicativo que escutando o áudio já reconhece qual é a música. Toda essa mitologia, toda essa mística não funciona mais, mas na época do vinil tinha ainda essas histórias bem interessantes da disputa pelo conhecimento, da disputa pelo registro físico da música, de algum vinil difícil de achar. Vamos então continuar escutando algumas músicas sonideras, algumas músicas de sonidero lá no México. Aqui, como sempre, no programa Clandestino da Rádio Eixo.
Nota 4
Para continuar o nosso programa Clandestino dedicado aos sonideros mexicanos, vamos para a cidade de Monterrey, no norte do México, cidade que já foi tratada nesse nosso programa. A cidade de Monterrey é reconhecida como a cidade da cumbia no México, basicamente no começo era cumbia colombiana, mas depois a cumbia regia, a cumbia de Monterrey, tomou umas cores bem particulares, foi se criando todo um movimento interessantíssimo que talvez alguns de vocês já conhece, se já assistiram um filme Ya no estoy aqui, que conta a história precisamente de um rapaz que faz parte dessas tribos urbanas da cumbia. Ele tem que sair da sua cidade e ir para os Estados Unidos, esse filme mostra um pouco dessa vida da cumbia mexicana na cidade de Monterrey.
Outra característica, como nos sonideros do DF, é ser extremamente popular, e ser a cumbia cultuada nos bairros mais populares. Como a gente sabe, tem vários problemas sociais, vários problemas econômicos, que são bem conhecidos. Mas os sonideros na cidade de Monterrey têm algumas características que são bem interessantes. A primeira, obviamente, é a de se dedicar basicamente a tocar cumbia. Nos inícios era a cumbia colombiana, a cumbia que chegava, vocês já imaginaram, nos vinis trazidos pelos imigrantes, os vinis trazidos do Caribe, trazidos da Colômbia. Mas com o tempo foi criando a sua própria tradição musical, foram nascendo os grupos de cumbia colombiana os quais, como a gente vai ver, têm nomes que sempre, ou quase sempre, fazem referência a alguma cidade, a algum conceito, algum ritmo musical vindo da Colômbia. Inclusive a indumentária dos cumbieros, dos seguidores da cumbia colombiana lá em Monterrey, faz muitas vezes referência à Colômbia, se já nas cores, ou seja realmente imitando alguma roupa usada na Colômbia.
Mas os sonideros de Monterrey talvez são conhecidos, além das tribos urbanas, além da referência a músicas colombianas, são conhecidos ao nível musical, especialmente por causa da cumbia rebajada. A cumbia rebajada, como já explicamos em outro nosso programa, é um fenômeno particular, que aconteceu de forma casual. Foi Gabriel Dueñez, do sonido Dueñez, o mítico Senhor Dueñez, dono de um dos primeiros sonideros da cidade de Monterrey. Em uma dessas festas, aparentemente, o toca-discos dele teve um problema técnico, perdeu um pouco da potência e começou a tocar os discos de cumbia a uma velocidade muito menor do natural, e as pessoas continuaram dançando com essa música rebaixada, então um ritmo muito mais baixo, rebaixada. A galera gostou e ele começou a fazer isso e foi se espalhando, e hoje em dia é praticamente um subgênero da cumbia, a cumbia rebaixada a qual escutaremos seguir alguns exemplos. Desses sonideros é importante lembrar também que eles são muito mais que DJs, por exemplo, o senhor Dueñez teve esse acidente e depois fez uma gambiarra para tocar seus discos a numa velocidade menor. Eles realmente, mais do que botar música, mais do que colocar discos, são personalidades importantes no bairro, são personalidades centrais nessas festas populares, dessa forma de representação cultural, dessa forma de resistência das classes populares nos bairros do México e, nesse caso, de Monterrey. Vamos continuar, então, escutando algumas músicas do ritmo da cumbia em Monterrey. Aqui, como sempre, no programa Clandestino, da Rádio Eixo.
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