Hoje nosso encontro será com Clodo Ferreira, cantor, compositor e professor, foi meu professor, inclusive. Personalidade querida e importante de nossa cidade, Clodo desenvolveu todas as suas missões com muito talento, mas acredito que, guardadas as proporções, seu maior destaque seja como compositor. Suas músicas ganharam as vozes de grandes nomes da MPB.
Clodo Ferreira nasceu em Teresina - PI, onde passou a infância com os pais e irmãos, e chegou a Brasília garoto, quando a cidade ainda era um grande canteiro de obras.
Começou a compor aos 15 anos de idade e mantém esse exercício até hoje. Traz em suas composições os traços das suas origens, nordestino, mas para mim ele é também referência da música de Brasília, até porque Brasília é também muito nordestina.
Paola Antony – Clodo, conta para a gente quando foi e por que você veio do Piauí para Brasília?
Clodo Ferreira – Eu cheguei em 1965, com 13 anos de idade. A vinda para cá foi assim, o Climério tinha vindo em 62, quando a cidade tinha só 2 anos. Ele era muito jovem e, no ano seguinte, o Clésio veio também. Meu pai veio visitá-los e tomou a decisão de não ficar longe dos filhos mais velhos, que eram dois jovens na época. Resolveu largar tudo no Piauí e trazer toda a família para cá, por causa dos mais velhos, e foi nesse contexto que eu vim para Brasília, para morar em Taguatinga, onde morei por 3 anos. Foi aí que começou minha ligação com Brasília.
Paola Antony – Então você se fez músico aqui em Brasília?
Clodo Ferreira – Foi. O Clésio e o Climério já compunham, e eu, aos 15 anos, comecei a fazer as primeiras músicas com eles. O Climério fazia a letra muito bem e eu fazia a música para ele e, como o Clésio faz melodia muito bem, eu fazia a letra. A gente inverteu e eu descobri que podia fazer as duas coisas.
Paola Antony – Nasceram o Clodo, Climério e Clésio.
Clodo Ferreira – Mas a gente só descobriu isso décadas depois.
Em Taguatinga, eu participei do grupo Os Quadradões e, quando saí do grupo, eles gravaram a minha primeira música num disco que foi o primeiro disco independente de Brasília, na década de 60 ainda, 67, por aí. Esse grupo, anos depois, se tornou o Placa Luminosa, que é uma música minha também. Essa é uma boa lembrança que tenho de Taguatinga.
Depois disso, um fato que me marcou foi quando me mudei para o Plano Piloto e participei do segundo festival de música do Ceub. Na primeira edição do festival, quem ganhou foi o Fagner, com Mucuripe por sinal, ganhou todos os prêmios. Por isso, no ano seguinte, em 72, ele foi convidado para o júri e, nesse festival, ganhei primeiro e o segundo lugar e, por conta desse festival, fiquei conhecido em Brasília.
Paola Antony – Clodo, então você e seus irmãos já nasceram com o DNA da música. Vocês foram preparados para isso?
Clodo Ferreira – Bem, eu toco violão e viola de 10 cordas, mais caipira, mas não estudamos música. As nossas composições são de ouvido e de ter grande conhecimento do repertório popular. Isso não é uma raridade na música brasileira. Dominguinhos não lia partitura, Luiz Gonzaga também não. Nós somos dessa turma que faz intuitivamente, sem estudar propriamente.
Olha, eu faço 70 anos daqui a um mês e comecei aos 15 anos, então você imagina que eu peguei uma prática grande, porque eu compus esse tempo todo. É uma forma de saber também, né? Você vai fazendo, vai aprendendo, vai vendo o que dá certo, o que não dá. E eu componho compulsivamente por esse tempo todo.
Paola Antony – Clodo, sei que muitas das músicas que você compôs foram gravadas por grandes nomes da MPB. Vamos lembrar de algumas e das histórias em torno delas, que tal?
Clodo Ferreira – Acho que a gente pode começar pela mais conhecida que é Revelação. É um bom cartão de visita. Revelação é uma música que fiz com meu irmão Clésio, que infelizmente já faleceu, aliás, muitos dos meus parceiros estão indo, estou muito triste com isso. O Clésio, meu parceiro e meu irmão, tinha uma melodia que havia feito para uma poesia de uma amiga, mas resolveu não adotar o poema dela e passou a cantar essa música com um poema do Carlos Drummond; eu mesmo cantei por uns dois anos essa música com a letra do Drummond. Um dia, ele me disse, "Clodo, aquele poema foi gravado por outra pessoa e a música ficou sem letra". Como eu já tinha intimidade com a música, substituí a letra por uma que eu fiz e essa música se tornou conhecida e foi gravada por cerca de 15 pessoas nesses últimos 40 anos. Começou com Fagner, que fez uma gravação histórica, depois ele mesmo gravou três outras vezes, com arranjos diferentes. Eu gravei, gravou o Wando, Engenheiros do Hawaii, Simone gravou também e a mais recente foi a Fafá de Belém, que gravou no final de 2019. Fez a versão dela e ficou muito linda.
Engraçado, depois que a música ficou muito conhecida, outras que eram menos conhecidas e associadas a mim apareceram fortemente, mas que foram gravadas antes de Revelação, por exemplo, Cebola Cortada é anterior a Revelação. Corda de Aço, minha e do Fagner, foi gravada antes também. Há uma música chamada Ponta do Lápis que quem gravou originalmente foi o Ney Matogrosso e o Fagner e ela foi para o Fantástico e ficou bem badalada. Agora, recentemente, 40 anos depois. houve um certo revival. Uma foi o MP4 que regravou Cebola Cortada com Milton Nascimento, o que acho muito legal, porque é uma coisa resgatada quatro décadas depois. O Ney Matogrosso agora, sozinho, gravou Ponta do Lápis, que é minha e do Roger, e colocou no último disco dele. Eu fui ver o show e estava lindíssima a interpretação dele. Essas coisas são legais, dão conforto para o autor.
A satisfação de ver a lista de pessoas que gravaram minhas músicas é muito grande. Há uma história que você pode achar legal. Depois que a Nara se foi, fiquei mais à vontade para falar. A Nara Leão fez uma música chamada "Cli, Cle, Clo" para nós, Clodo, Climério e Clésio, e foi a única música que ela compôs na vida dela. Essa música está no disco Romance Popular e é uma coisa para levar para o túmulo, tamanha a alegria.
Paola Antony – E com você cantando, Clodo, quantos discos gravados você tem?
Clodo Ferreira – Eu gravei 6 discos de Clodo, Climério e Clésio, 3 em gravadoras grandes e 3 independentes, gravados em Brasília. Eu, sozinho, depois que me separei dos irmãos, fiz o Cordas de Aço, só com as músicas conhecidas; um outro chamado Gravura, que é um disco bem nordestino, de que eu gosto muito; e depois fiz um disco só como intérprete, Clodo Ferreira Interpreta Sinhô, que é um disco que fiz só com músicas do Sinhô, do início do século XX. Eu só canto as músicas, o que gostei muito de fazer. Esse eu fiz na esteira daquela disciplina Comunicação e música, que havia na UnB. É um disco mais histórico, ligado à história da música brasileira. Depois fiz um que se chama Clodo Ferreira, que é o mais recente.
Nesses dias, alguém me pediu uma lista e eu fiz. Gravadas eu tenho 160 músicas e feitas devo ter três vezes mais do que isso, porque para cada parceiro que grava uma música eu tenho mais 12, entendeu? Não é grande coisa para quem faz isso há 50 anos. São 50 anos de insistência. Eu não estou falando isso por esnobação, não, porque quem tem esse tanto de tempo tem de ter muita música gravada, né?
A entrevista completa de Clodo Ferreira para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
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