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Paola Antony

Haroldinho Mattos

"Autodidata, silencioso, curioso, atento, disciplinado, engraçado e inimitável, Haroldinho Mattos é um dos mais originais e intensos guitarristas do Brasil. Descende diretamente de Jimi Hendrix". Esse é um trecho do texto de Celso Araújo sobre ele em sua página no Facebook, que diz ainda: "Seu fraseado é elegante. Seus efeitos, quase sempre expressionistas, tal a capacidade com que manipula suas cordas, pedais e acordes. Seu dedilhado é veloz, sensorial e sensual, descendo vertiginosamente para campos em que muitos guitarristas temem explorar".

Paola Antony – Haroldinho, eu tenho a impressão de que você já nasceu tocando, que esse caso que você tem com a guitarra é antigo, sua relação com a música também, algo estrutural da sua vida.

Haroldinho Mattos – Para mim, esse negócio de música é um alívio, um grande alívio. Há hora que aperta também, há umas coisas que pegam a gente. Eu sou muito exigente com as coisas, então, às vezes, há uns trabalhos que aparecem e eu fico preocupado se vou fazer do jeito que gostaria, mas, no mais, é muito bom. É uma conexão com uma coisa que acaba dando uma relaxada, conectando a gente, porque às vezes a gente fica chateado com tudo, né?

Paola Antony – Como é esse negócio de ser muito exigente e, ao mesmo tempo, relaxar?

Haroldinho Mattos – Quando tenho de prestar um serviço, quando vou tocar com alguém e tenho de tirar um trabalho de alguém, é a parte em que fico mais preocupado. Quando estou sozinho com a guitarra ou trabalhando com questões mais ligadas à improvisação, e boa parte dos trabalhos que faço é assim, aí é relax, é tranquilo.

Paola Antony – Ou seja, não há aquele papo de nasceu com talento para isso e ponto. Tem o trabalho em cima também, não é?

Haroldinho Mattos – Eu acho que existem as duas coisas. Há uma coisa natural que você tem, uma afinidade com seu instrumento, com sua musicalidade, mas há a luta que você trava para se tornar mais íntimo com esse instrumento e a luta que você trava para saber o que você está fazendo, o que você quer dizer com isso. Acho que uma coisa que para mim não é difícil é o feeling, porque, quando você tem um sentimento dentro de você e coisas que você, de certa forma, não processou tão bem no seu lado pessoal, ou até processou, mas essas coisas, esses sentimentos fortes que você tem dentro de você..., acho que a música e a arte são um veículo incrível para isso, para você botar para fora essas coisas.

Eu até acho bem tranquilo, porque tenho esses sentimentos, muitas coisas que eu consigo passar pela música. Acho que fica uma coisa mais honesta, porque você está tirando de dentro de você alguma coisa. Quando a pessoa não tem o que tirar de dentro dela, pode estudar à vontade que fica difícil ficar legal. Porque se não, fica vazio, a gente tem de dizer alguma coisa. A arte serve para isso, para a gente passar alguma coisa. Ser artista para mim é saber viver, em primeiro lugar. Saber viver.

Paola Antony – Haroldinho, você se lembra como foi o início? Quando você percebeu a proximidade com a música, sobretudo a escolha pela guitarra?

Haroldinho Mattos – Na primeira vez que eu ouvi rock and roll, por exemplo, eu tinha cinco anos, os meus irmãos ganharam um disco dos Rolling Stones, mamãe tinha vindo da Europa com papai e trouxeram o Sticky Fingers, dos Rolling Stones, para eles. Quando eu ouvi, não sabia o que era o baixo, guitarra, bateria, mas pensei, "caraca", o que é isso? Que sons são esses? Fiquei encantado logo à primeira vista. Logo depois o meu irmão mais velho trouxe uma guitarra e eles ficaram tentando ligar a guitarra nos aparelhos do papai. Aí eu tive o primeiro contato visual com uma guitarra, aquele instrumento brilhante, meio futurista, espacial, e eu fiquei maluco ali, olhando. Não esqueço disso.

Depois, minha ligação com a música só foi aumentando. Eu desejava ter uma guitarra loucamente, mas a gente não tinha dinheiro para comprar. Aos nove anos de idade, eu consegui meu primeiro violão, minha mãe me deu, e, daí em diante, nunca mais parei. Engraçado, eu, desde 5 anos de idade, já sentia uma vontade enorme de tocar e mexer com música de alguma forma, só que não tinha nenhum acesso. Logo depois começamos, aqui em Brasília, a frequentar todo tipo de espetáculos musicais e teatrais, mamãe sempre nos levou para tudo. De Paulinho da Viola a Michael Jackson. Nós assistimos The Jackson 5, Secos e Molhados, tudo.

Paola Antony – E profissionalmente, suas primeiras incursões no palco, sua decisão pela música, como foi?

Haroldinho Mattos – Quando consegui comprar a primeira guitarra, tinha de 9 para 10 anos. Comecei a tocar e o Paulinho, meu irmão, queria tocar bateria e a gente pensava em formar uma banda, fazer alguma coisa, mas não havia nada pintando no pedaço ainda. Então, eu resolvi morar com meu pai de novo, com 11 anos de idade. Saí de Brasília já com minha guitarra em punho, tocando muito lentamente, porque a gente não tinha internet e eu tirava as coisas de ouvido. Um amigo ensinava algum acorde, outro ensinava outro, e a gente ficava tocando isso por um ano, praticamente. Foi muito lento meu aprendizado inicial.

Bem, eu morava em Belo Horizonte e, quando vinha passar férias aqui em Brasília, com a mamãe, o Mel da Terra começa a surgir. O Paulinho, meu irmão, é um dos fundadores e eles me convidaram para uma participação em um show no Cave, no Guará. Foi minha primeira apresentação. Eu tinha 12 para 13 anos e a banda já fazia um sucesso danado, estavam sendo muito bem recebidos na cidade. O Cave estava cheio de gente e, quando eu entrei, nunca me esqueço disso, um cara gritou: "Troca a fralda dele!". Eu era tão miúdo, a guitarra era maior do que eu (risos).

Na segunda vez que eu me apresentei, foi muito forte também. Eu fiz uma participação um pouco maior, foi na Escola Parque e foi sensacional. Eu cheguei para tocar, passando mal de nervoso, com dor de barriga, enjoado, passando mal mesmo, e achando que eu não conseguiria tocar.

Mas na hora que me chamaram, que passei da cortina e entrei no palco, que o povo começou a gritar, que me viu assim pequenininho, com aquela guitarra na mão, e eu comecei a tocar e as pessoas começaram a gritar e sumiu toda a sensação ruim, eu fiquei bem, fiquei emocionado com aquela sensação maravilhosa de troca de energia, como a plateia me curou imediatamente, aí, pronto, aí eu viciei.

No Mel da Terra, quando eu fazia essas participações, a banda foi gravar um LP e eu fui convidado para fazer parte da banda. Eu me integrei ao Mel da Terra, gravamos esse primeiro disco em São Paulo, em um estúdio muito bacana, uma produção que nos levou um pouquinho mais para o lado comercial, mais pop, e isso me entristeceu um pouco, mas, mesmo assim, foi uma experiência muito legal.

Depois disso, trabalhamos bastante, viajamos bastante, tocamos muito e a cúpula do Mel da Terra resolveu morar no interior de São Paulo, em uma cidade chamada Cruzeiro. A ideia deles era que lá estaríamos mais perto do Rio e de São Paulo, mas, na verdade, ficamos longe de tudo e passando muita necessidade. O empresário que nos convidou a fazer uma série de shows, no terceiro show, desapareceu. Aí começou a desestruturação da banda, mas a gente, por outro lado, também ensaiou muito, só que chegou uma hora que a coisa foi ficando tão pesada que a gente já nem tinha pique para a música.

Voltamos para Brasília, tentamos mais um tempo e comecei a discordar dos caminhos que a banda estava tomando, e saí. Montei uma banda chamada Plug, depois outra, chamada Akneton, com Celso Araújo, com a poesia espetacular do Celso, né? Eu compunha as músicas e ele fazia as letras e também foi uma experiência muito bacana. Depois disso, passei a acompanhar muitos músicos da cidade, Renato Matos, Adriano Faquini, toquei até sertanejo, tentando sobreviver, porque sobreviver de arte é uma loucura. Eu passei muitos anos da minha vida vivendo só de música, até o momento que eu encontrei essa segunda profissão, de luthier, que me deu uma estabilidade bacana para eu poder fazer as pazes com a música, porque, nesse momento em que fiquei tocando na noite com diversos artistas, me estressei um pouco. Cheguei ao ponto de sentir que não estava mais aguentando tocar a semana inteira e pagar só meu aluguel. Tocando de segunda a segunda, às vezes em um trabalho que você nem gosta tanto de fazer, então, decidi que precisava procurar alguma coisa para seguir paralelamente à música senão ia acabar brigando com ela, a relação amorosa que tenho com ela, com a música, ia dançar.

Paola Antony – Haroldinho, e seus discos, como foi que eles surgiram na sua vida?

Haroldinho Mattos – Quando a gente começou a ensaiar com o Oficina Blues, foi numa oficina. Eu, Pedro e Gustavo no escritório da oficina do Fernandinho, maravilhoso.

Ele ouviu os ensaios e disse: "É muito bom, muito bom. A gente precisa gravar um disco". Ele foi à luta, arrumou uma grana e bancou esse primeiro disco. Foi uma história muito legal, já começou com um astral muito bom, uma onda muito boa. Depois, quem me ajudou com os outros discos foi o Vitinho (Victor Z). Ele correu atrás de tudo comigo e assim fomos indo, uma lembrança muito legal.

Eu sempre quis registrar meu trabalho, mas tenho uma dificuldade, eu não sou cantor e, ao mesmo tempo, não encontrava ninguém que se encaixasse na ideia de interpretar as minhas músicas, então, acabei sendo o intérprete e, com o passar dos anos, fui me sentindo um pouco mais confortável para interpretar minhas músicas. Hoje eu me sinto mais à vontade, mas isso para mim era muito difícil, eu era muito travado para cantar. Hoje em dia está beleza, já posso suportar a voz do meu trabalho, mas, se pintar alguém legal para cantar, será muito bem-vindo, para eu poder também chegar mais na guitarra, que eu adoro; mas eu gosto dessas formações todas.

Paola Antony – Nesse momento da sua vida, o que você anda fazendo artisticamente? Tem novidades?

Haroldinho Mattos – A gente está gravando um disco. Um disco... (hahaha!), aí a gente se entrega na idade. Um EP, antes era CD e um pouquinho para atrás pendrive. Pendrive nem colou, mas agora é EP. A gente está gravando um EP do Blues de Bolso e está sendo uma experiência bastante diferente, porque a gente nunca gravou um trabalho. A gente está no estúdio gravando quatro composições do Bemol, quatro composições minhas, que a gente vai lançar, e também fazendo um trabalho que se chama Conexão. Esta é uma proposta em que você recebe um patrocínio para pagar pessoas de fora para fazerem a produção de uma música sua, no caso, o JR Tostoi, que é o guitarrista do Lenine, produtor, está produzindo uma música minha e uma do Bemol. Estamos fazendo esse trabalho que acontece totalmente via internet. Tem o do Blues de Bolso e eu também estou fazendo um trabalho com uma banda que montei com músicos amigos, que se chama Refúgio HM, mais voltado para o meu trabalho próprio, no qual a gente vem trabalhando mais calmamente. Não são músicos conhecidos, mas são amigos, e a gente está tentando fazer uma coisa mais afetiva para que isso reflita na música, o que eu acho bacana.


A entrevista completa de Haroldinho Mattos para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.




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