top of page

O Demônio Familiar - José de Alencar

  • Foto do escritor: Paola Antony
    Paola Antony
  • 15 de fev.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 16 de fev.


ROTEIRO


  • VINHETA DE ABERTURA – campanhinha toca três vezes

  • VOZ DE ABERTURA – PAOLA – “A RÁDIO EIXO APRESENTA EIXOENCENA”

  • BG -  “Mambembe” Chico Buarque (versão Chico e Roberta Sá)  trilha sonora de fundo. Rubrica para o sonoplasta (Colocar o som da música tal como pano de  fundo da voz do narrador...  bem baixinha)

  • SONOPLASTIA – DUAS CAMPANHINHAS



LÍLIAN

Narrador (rádio novela) – Olá ouvintes, este é o programa EIXOENCENA. Uma série de Rádio-Teatro que fará ao longo deste ano, uma homenagem ao Teatro Brasileiro do séc. XIX e ao Teatro de Brasília. Eu sou LÍLIAN ALENCAR e o nosso dramaturgo deste mês é “JOSÉ DE ALENCAR”. O elenco do programa EIXOENCENA é formado por mim, pela atriz KARLA CALASANS,  pelo ator TIAGO DE CARVALHO, e grande elenco. Neste segundo programa temos uma cena da peça: “O DEMÔNIO FAMILIAR”.


BG - “Eu sou pobre pobre de marré marré” peça musical de Domínio Público começa a tocar baixinho o narrador começa a cena...


Narrador (rádio novela) – Uma das peças mais comentadas de Alencar é “O demônio familiar”. Mais a frente trato do enredo maior da trama, mas cabe neste momento observar a cena em que o menino pretinho Pedro, escravo, e propriedade da família dos irmãos Eduardo e Carlotinha vai travar uma conversa interessantíssima com sua dona. O garoto travesso, de linguagem fácil, tenta convencer Carlotinha a se casar com um homem rico, o senhor Alfredo.

 

SONOPLASTIA – UMA CAMPANHINHA


PEDRO (TIAGO): Dona Carlotinha , Sr. moço Eduardo, seu irmão, pensa que a gente tem perna de pau e não precisa andá... 

CARLOTINHA (KARLA): Fecha aquela porta menino preto! 

PEDRO: Então Nhanhã V. Mercê não recebe aquele bilete, não? 

CARLOTINHA: Moleque! Tu estás muito atrevido!... 

PEDRO: Pois olhe Nhanhã; o moço é bonito, dessas bonitezas mesmo da moda!.. Mais do que o Sr. moço Eduardo, e olhe que vosso irmão é bonito. Xi!.. Mas nem tem comparação! 

CARLOTINHA: Não o conheço! 

PEDRO: Pois ele conhece voismece Nhanhã; passa aqui todo dia. Chapéu branco de castô, deste de aba revirada; chapéu fino; custa caro! Sobrecasaca assim meio recortada, que tem um nome francês; calça justinha na perna; bota que é um belezura; Bengalinha desses bicho, que se chama unicorne, cavalinho de chifre. Se Nhanhã chegá na janela depois do armoço há de ver ele passar, só gingando: tchá, tchá, tchá... Hum!... Moço é binito mesmo! 

CARLOTINHA: Melhor para ele; não faltará quem o namore...

PEDRO: Farta não; mas ele só gosta é de Nhanhã. Quando passa, Nhanhã não vê; mas eu, cá de baixo, tô só na espreita. Vai oiando para trás, pescocinho torto! Nhanhã não faz nem caso do pobre

CARLOTINHA: É um desfrutável! Está sempre a torcer o bigode com os dedinhos! 

PEDRO: É da moda, Nhanhã! Aquele bigodinho, assim enroscado, um anzol; anda só aí pescando coração de moça. 

CARLOTINHA: Moleque, se tu me falares mais em semelhante coisa, conto a teu senhor, damos-te umas chibatadas. Olha lá, talvez umas chibatadas heim! (crivo do roteirista).


SONOPLASTIA: colocar som de chicote estalando umas três vezes


PEDRO: Tá bom Nhanhã; não precisa se zangá. Discontar no lombo de Pedinho... Eu digo ao moço que Nhanhã não gosta dele, que ele tem uma cara de frasquinho de cheiro... 

CARLOTINHA: Dizei o que tu quiseres, contanto que não me conte mais histórias. 

PEDRO: Mas agora como há de ser!... Ele me deu der mil-réis. 

CARLOTINHA: Para que? 

PEDRO: Para entregá bilete a Nhanhã 


Narrador rádio – O moleque então tirou o bilhete do bolso e deu a dona Carlotinha.

 

PEDRO – Eita biletinho cheiroso; papel todo bordado! 

CARLOTINHA: Ah! Se meu mano soubesse! 

PEDRO: Ele é amigo do Sr. Moço vosso irmão Eduardo. 

CARLOTINHA: Nunca veio aqui?! 

PEDRO: Oh! Se vem; ainda onti; pu sinal que me pergunto se eu já tinha entregado.

 CARLOTINHA: E tu o que respondeste? 

PEDRO: Que Nhanhã não queria recebê

CARLOTINHA: E porque não devolveste o bilhete a ele? 

PEDRO: Porque o bilete veio com os dez mil réis... e eu gastei todo dinheiro, Nhanhã, (começa um choro falso)


SONOPLASTIA: colocar a música Retirantes de Dorival Caymmi no trecho “vida de negro é difícil, é difícil...”


CARLOTINHA: Ah! Pedro, sabes em que tu me meteste? 

PEDRO: Mas o que tem Nhanhã recebe este bilete

CARLOTINHA: Não!... não devo! Vou inclusive esconder este bilhete num livro, para que ninguém saiba (Chega-se à estante e esconde um livro) 


Narrador (rádio novela) – O garoto é mesmo um pestinha, sem que a moça visse ele retira o bilhete do livro, e enfia o bilhete do pretendente no bolso do enorme vestido da menina...


PEDRO – Ela nem pecebeu que eu já entreguei a ela sem ter entregue... Tá achando que vai sê freira, se depende de Pedrinho aqui vai não (risos)


SONOPLASTIA: colocar aqueles risos de auditório


CARLOTINHA: Que estás a dizer oh escravinho? 


PEDRO: Nada, Nhanhã! Que V. mce é a moça mais bonita do Brasi interim e pedinho neguinho aqui um moleque muito sabido! 


CARLOTINHA: É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, seu vadio! Se não lá vem outra chicotada...


SONOPLASTIA: colocar som de chicote estalando umas três vezes


PEDRO: Isto é um instante, arrumo arrumo! Mas Nhanhã precisa se casá! Com um moço rico como o Sr. Alfredo, que ponha Nhanhã no mesmo tom, fazendo figuração. Nhanhã há de tê uma casa grande, grande com um jardim na frente, moleque de gesso no telhado; quatro carro na cocheira; chafariz e Pedinho será o  cocheiro de Nhanhã. Será o motorista dos pangaré, ou dos alazão... 


CARLOTINHA: Mas tu não és meu, és escravo de meu mano?! 


PEDRO: Não faz mal; Nhanhã fica rica, compra Pedinho; manda fazê pra ele sobrecasaca dos inglês; bota de canhão até aqui (marca o joelho); chapéu de castô; sobe sinhá na carruage, tope azul no ombro. E Pedro só, zaz, zaz! E moleque de rua dizendo: "Eh! Oia o Cocheiro de Sinha D. Carlotinha."!

 

SONOPLASTIA:  colocar o som de um calvagada


CARLOTINHA: Cuida do que tens de fazer, Pedro. Teu senhor não tarda. 

PEDRO: É já; não custa! Meio dia, Nhanhã vai passiá na Rua do ouvidô, no braço do marido. Chapeuzinho aqui na nuca, peitinho estufado, arrastando o bumbum grande no vestido azul! Assim, moça bonita! Quebrando debaixo da seda, e a saia fazendo xô, xô, xô! Moço, o rapaz, vai sê deputado, Nhanhã tudo o povo olhando de luneta francesa e dizendo:

 

SONOPLASTIA:  colocar um coro dizendo: “Oh! Que paixão!..” 


PEDRO : E O outro POVO REPETINDO: 


SONOPLASTIA:  colocar um coro dizendo:  “Que mulher feliz!..” 


PEDRO: E aquele homi que escreve no jornal tomando nota para meter Nhanhã no folhetim. Moça FAMOSA NA COLUNA SOCIÁ


CARLOTINHA: Oh! Meu Deus! Que moleque falador! Não te calarás infeliz? Estes pretos no dia que aprenderem a ler ninguém os segura... (nota do roteirista) 


PEDRO: Quando é de tarde, carro na porta; parreira de cavalos brancos, fogosos; Pedinho na boléia, direitinho, chapéu de lado só tenteando as rédeas, comida boa pro pretinho, bebida boa pro pretinho. Nhanhã entra; e diz: "Para Botafogo, Negro Para Botafogo!" Pedro puxou as rédeas; Chico te estalou; tá,tá tá; cavalo, toc, toc, toc; carro trrr!... Gente toda na janela perguntando: "Quem é? Quem é?" - "D.- Carlotinha..." Bonito carro! O Cocheiro bom!..é Pedinho, o preto lindo só deitando poeira nos olhos de boleeiro de aluguel. 


SONOPLASTIA: colocar a música “UPA NEGINHO” COM ELIS REGINA no trecho “upa Neguinho até começando andar, começando andar e já começa a sonhar...”


CARLOTINHA: Ora, e meu irmão que não vem! Disse que voltava já, para levar este infeliz (crivo do roteirista)! 


PEDRO: De noite, baile de estrondo, como baile do Sr. Barão de Mereti, linha de carro na porta, até o fim da rua, e torce na outra; entra ministro, deputado, senador, imperador, homem do paço, só de farda bordada, com pão de rala no peito. Moça como formiga! Mas Nhanhã pisa tudo, é a maiorar brilhante reluzindo na testa como faísca, leque abanando, o vestido de Nhanhã cheio de renda. Tudo muierada caído só, com olho de jacaré assim, invejando. E Nhanhã sem fazer caso. 


CARLOTINHA: (riso alto escandaloso) Onde é que tu aprendeste todas essas histórias moleque? Estás adiantado demais! 


PEDRO: Pedro sabe tudo!... é pretinho, mas sabe tudo (crivo do roteirista) 

CARLOTINHA: Ora, senhor! Já se viu um capetinha destes! És um demônio no seio desta família...


BG - Volta a música “eu sou pobre pobre de marré marré marré” e se mantém no fundo das narrações seguintes


LÍLIAN

A comédia “O demônio familiar” foi encenada pela primeira vez em 1867. O fato de Alencar ser uma das mais importantes vozes conservadoras do Brasil Escravista do séc. XIX  não o impediu de dar voz ao menino negro e construir aquilo que se chamou no teor da nossa formação social, do jeitinho brasileiro, estamos sempre em busca de compensar nossos problemas materiais em mínimos sonhos fantasiosos de estarmos no lugar do patrão, do dono, do senhor... 


TIAGO

Pedro, o jovem escravo, propriedade de Eduardo, filho de família RICA DE DESCENDÊNCIA PORTUGUESA tenta casar SEU DONO e também sua irmã Carlotinha com pessoas ricas, para ver se sobra algum caraminguá para ele, ou uma posição mais privilegiada de cocheiro de fraque e gravata. O pequeno escravo trama as mais ardilosas condições para tal. É um verdadeiro demônio familiar como o descrevem seus proprietários. E O QUE VAI ACONTECER COM O ESCRAVO E COM SEUS DONOS, LEIAM LEIAM CAROS OUVINTES...


KARLA

A cantiga “eu sou pobre de marré deci” que ouvimos explicita os contrastes sociais do menino Pedro e seus donos ricos. O cancioneiro infantil nacional e suas músicas de autoria desconhecida marcaram  e marcam o imaginário da formação educacional do Brasil. Heitor Vila Lobos dos nossos maiores compositores é um dos responsáveis por resgatar estas peças. Uma das versões para “ser pobre de marré deci” é que vem de um jogo de rico e pobre, como o menino Pedrinho, ora escravo e sonhava em ser rico como cocheiro.


LÍLIAN

A personagem do jovem escravo acaba por nos lembrar um dos fatos mais relevantes relativos à escravidão, o surgimento da “Lei do ventre livre” que como nos lembra a História do Brasil, foi a partir de 28 de setembro de 1871 que a lei definiu que os filhos de mulher escrava nascidos no Império a partir daquela data seriam considerados livres.


TIAGO

E assim encerramos o SEGUNDO episódio na nossa série: o Teatro de JOSÉ DE ALENCAR. Na próxima semana teremos a TERCEIRA cena, com a peça “AS ASAS DE UM ANJO”. Agradecemos a paciência da querida  e do querido ouvinte por terem se colocado com atenção no nosso programa EIXOENCENA. 


KARLA

O  programa EIXOENCENA é  parte do projeto RÁDIO TEATRO, OS FUNDADORES DO TEATRO BRASILEIRO E O TEATRO DE BRASÍLIA  realizado com recursos do FUNDO DE APOIO À CULTURA DO DISTRITO FEDERAL e como se diz no bom e velho teatro fiquem bem e

OS TRÊS ATORES JUNTOS: “MERDA PRA TODOS”


BG Volta “Mambembe” de Chico Buarque na versão original para encerrar o programa.


Comentarios


bottom of page