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Paola Antony

"pra você"


Exposição “pra você: o mistério enunciado pela palavra - texto perdido na ponta da língua”

Referência Galeria de Arte – Brasília, outubro de 2024.

 




Renata Azambuja: A primeira questão que me vem à mente para te perguntar é sobre a sua passagem da área de História para as Artes Visuais. Foi algo como um salto ou os interesses corriam em paralelo?

 

Carlos Lin: Não houve, propriamente, uma passagem como um salto. Os interesses correram em paralelo. A vida me encaminhou para o desenvolvimento dessas habilidades e competências que prefiguram meu fazer atual. Sempre me interessei por arte e história, entre outras coisas. Isso vem do meu interesse pela linguagem, por tentar entender os meandros da enunciação, tanto pela via da palavra (escrita ou falada) quanto pelo texto (verbal ou imagético) quanto pela imagem (seja qual for). Sou, antes de tudo, artista. Inscrevi-me nesse modo de ser logo cedo, fazendo garatujas e me especializando nisso. Logo em seguida, desenvolvi desenhos sobre diversas superfícies, como papel, vidro, madeira ou produzindo sulcos na areia fina que cobria o quintal da casa dos meus pais ou na rua em frente à casa, que ligava aquela casa ao mundo, de maneira direta. Eu gostava mais de caminhar pelo mato do que pela rua. O mato me apresentava deslumbramentos diferentes e eu gosto ainda hoje disso. A casa de meus pais, na minha infância, ficava numa rua de terra de um bairro rural, com uma sequência de 10 casas. Eu produzia com o que tinha, usava lápis, caneta, batom (apanhei algumas vezes por isso), graxa de sapato, etc. A escrita verbal me fascinou no meu letramento, quando eu tinha uns 5 anos de idade. Eu me esmerava em escrever como me esmerava em desenhar ou gravar. Perto da casa de meus pais havia um córrego, o Córrego Pitangueiras, onde havia uma jazida de argila que chamávamos de Barro Branco. Iniciei minha produção de esculturas usando essa argila e alguns legumes da casa. Espetar palitos de madeira em legumes transformavam-nos em bichos fantásticos. De alguma forma, o letramento e a escola primária incentivaram minha produção artística. Eu desenvolvi uma letra legível e aperfeiçoei meu trato com desenhos e esculturas. A pintura entrou em minha vida um pouco mais tarde, já na adolescência. Fiz minha primeira inscrição em salão de arte aos 15 anos e ganhei uma menção honrosa com um desenho em nanquim sobre papel. Nessa época eu havia saído do mundo recluso da zona rural de Barretos, onde estudava numa escola rural e me transferi para outra cidade, para estudar numa outra escola, dessa vez no Colégio Técnico em Agropecuária da UNESP de Jaboticabal, onde funcionavam também os cursos de graduação em Agronomia e Veterinária. Estava eu então num campus universitário, completamente diverso do universo da casa dos meus pais. Ali, aprendi os fundamentos da fotografia, devido a uma série variada de fatores. Tinha uma irmã universitária, bem mais velha que eu, que morava noutra cidade e que estudou Letras na UNESP de São José do Rio Preto. Ela levava fascículos do Pasquim para a casa de meus pais. Eu era apaixonado pela Graúna e me identificava com o Fradinho. Desenvolvi um gosto por tirinhas e por histórias em quadrinhos. Minha irmã tinha muitos livros de literatura. Meu pai tinha algumas coleções de enciclopédias e eu lia com muita frequência. Eu gostava de ler, gostava de estudar, gostava das práticas artísticas. Essas eram tarefas que me tiravam, na medida do possível, dos afazeres domésticos. Então, entendi que me dedicar aos estudos, à escrita e à arte garantia para mim uma diferença diante do que eu via na casa dos meus pais e no contexto rural ao qual eu estava vinculado. Nasci um pouco antes e cresci no decorrer da ditadura militar, numa família simples. Meu pai era operário de uma fábrica e minha mãe cuidava da casa e da prole. Minha irmã universitária era envolvida com o movimento estudantil e participava de passeatas contra a ditadura. Eu, ainda menino, tentava entender aquela situação e fazia contrapontos com o que vivia na casa de meus pais. Meu pai era autoritário e violento, minha mãe era doce e submissa. Eu lia livros de minha irmã, como de Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Charles Baudelaire, João Guimarães Rosa, entre outros poetas e cronistas, além do material escolar. Eu vivia meio apartado porque meus pais tinham filhos mais velhos e filhos mais novos que eu. Essa condição de ser o filho do meio me abriu possibilidades de ficar muito à vontade diante da solidão da existência. Eu tinha, por assim dizer, bastante tempo para mim e para os meus interesses. Meu pai quase nunca estava em casa, minha mãe tinha muitas coisas a fazer, além de controlar os filhos mais velhos e cuidar dos mais novos, de modo que para mim havia pouca censura. Procurava nas enciclopédias informações para entender o mundo. A história dos lugares com sua produção cultural me fascina até hoje. Eu almejei cursar um terceiro grau e sabia que gostava de arte, de história, de espaço, de tempo, entre outras coisas. Artista, eu já era e quis ampliar o arcabouço da tentativa de entender o mundo por uma via teórica. Desde esse tempo já se esboçava em mim um perfil de profissional ligado à História da Arte. A opção pelo curso de História foi pensada a partir do meu interesse teórico e prático, para entender melhor a história do meu país, a história de meus pais e a minha própria história, a história do mundo, para poder criar com isso e apresentar certas produções possíveis. Hoje produzo objetos de arte e atuo como teórico das artes visuais, em diversos tipos de agenciamentos sociais como aulas, palestras, exposições, minicursos, curadorias ou acompanhamentos críticos.

 



Renata Azambuja: Em sua mini bio, você também relaciona outros campos de conhecimento à sua trajetória: a filosofia e a psicanálise. Como esses campos entram em ação no seu percurso em Arte?

 

Carlos Lin: Filosofia e Psicanálise são dois campos da minha formação e estão imbrincados estruturalmente na minha vida e na minha maneira de ser. São campos da linguagem que me fascinam pela maneira como propõem e articulam os discursos, seja pela via filosófica ou pela via psicanalítica. Agregue-se a isso meu interesse pela enunciação, pela semiótica e pela análise do discurso, sobre a qual me debruço já há algumas décadas. A arte para mim é um campo aberto onde essas enunciações ganham uma carga poética que me interessa. Quando comecei o curso de História, por muitas razões do destino, fui com frequência para o Rio de Janeiro assistir aulas de filosofia com o professor Emanuel Carneiro Leão, no IFCS. Eu ficava encantado com a erudição dele. Ele era tradutor de Platão. Então li e debati muita coisa sobre a filosofia clássica relacionada à arte. Mas meu interesse maior sempre foi o contemporâneo. Na UnB, tive aulas com Angélica Madeira e com Bárbara Freitag, duas professoras brilhantes que articulavam de uma maneira viva e muito bonita algumas das ideias centrais de Walter Benjamin, principalmente no campo da arte e da cultura. Em seguida, ainda na UnB, conheci Ana Vicentini e Tania Rivera e tive a chance de viver a palavra falada a partir de um viés poético e psicanalítico sobre algumas das condições humanas, principalmente daquelas ligadas ao labor artístico. Fui o substituto da professora Malu Fragoso na condução do Atelier de Criatividade da Clínica Psiquiátrica Ananke, durante pouco mais de uma década, quando conheci mais profundamente a produção de Nise da Silveira com Lula Wanderley no Museu de Imagens do Inconsciente. Então, como artista e historiador, eu me aproximei da Filosofia e da Psicanálise como fontes de um pensar particular que de alguma maneira me apresentavam possibilidades amplas de leitura do fenômeno social ao qual se dá o nome de arte. Filosofia e Psicanálise me auxiliam a pensar a arte, a pensar a condição humana numa chave analítica mais profunda, claro, ao lado da semiótica. Meu percurso em arte se mescla a uma série de questões de fundo semiótico-filosófico-psicanalítico, como na série “antinarciso”, na qual a fotografia, na versão do autorretrato se entrega a construções e desconstruções do modelo clássico do retrato, mais em particular da autorrepresentação, num viés neossurrealista (talvez) por convocar o estranho como categoria estética. Esse estranho que se apresenta no objeto de arte faz parte de um dos núcleos centrais dos meus interesses e das minhas pesquisas, que são muitos e conectados a partir de uma prática hipertextual. Como por exemplo na série “pequeno jardim no fundo do açude seco”, desenvolvida a partir de agosto de 2024, onde recorro a um aprendizado com o adobe, como matéria ancestral da construção e da transformação do mundo, para pensar meu vínculo com a produção e com os campos da arte contemporânea.


 



  

Renata Azambuja: Em muitas conversas que tivemos, você se auto denomina um sujeito do interior, um caipira. Imagino que esta auto percepção se dê por sua procedência de nascença, em Barretos, interior de São Paulo, e o seu conjunto de trabalhos aponta mesmo para uma proximidade com a ruralidade. Percebe-se que você mantém, desde o início da sua lida como artista, na década de 1980, um olhar atento ao meio-ambiente como um todo, se aprofundando em vários de suas facetas (o que o leva, efetivamente a fazer uso apropriado do termo, que significa ´andar ao redor`). Os assuntos são diversos, como também são os usos dos materiais. Como se dão as elaborações em torno desse tema ao longo dos anos? (desenvolvimento poético).

 

Carlos Lin: Nasci na casa de meus pais, na zona rural, numa casa isolada, com a ajuda de uma parteira. Depois nos mudamos para uma rua com 10 casas. Na frente havia uma floresta com um córrego dentro e uma ferrovia, nos fundos havia uma área de pastagem para gado bovino. Havia muito carestia material, do ponto de vista da sociedade burguesa urbana contemporânea. Havia muita inflação e muita exploração. A escola rural onde estudei ficava próxima a essa rua de 10 casas. Todos eram muito pobres, com exceção dos ingleses que eram as autoridades na fábrica onde meu pai trabalhava e moravam numa área mais próxima à fábrica, em casa maiores, mais bonitas e muito mais bem cuidadas. Tratava-se de uma das unidades mais importantes do Frigorífico Anglo, instalado no Brasil a partir do capital inglês. Todas as famílias dos brasileiros que ali moravam eram exploradas. Meu pai tinha um certo privilégio porque tinha estudos e trabalhava no almoxarifado do abatedouro. Por isso, precisava estar por perto para controlar entradas e saídas de mercadorias. Vivi nesse lugar até meus 15 anos, com muito poucas saídas. Era um lugar rural, com muito espaço e muitos vazios, devido aos campos de pastagem. Depois morei por 3 anos em Jaboticabal, no campus da UNESP, também na zona rural, afastado da cidade. Nessa inscrição rural, nitidamente ligada ao mundo caipira do interior do estado de São Paulo, eu nasci e cresci. Construí minha primeira matriz cultural a partir desses estímulos. Aos 15 anos, muita coisa mudou, de repente. Eu passei no vestibular da UNESP-Jaboticabal, mudei-me e ganhei uma viagem de presente de minha irmã, que nessa época morava e trabalhava na capital de São Paulo. Eu fazia meus desenhos, familiares destorcidos em geral, e minhas esculturas, cabeças naturalistas de bois e de cavalos, em sua maioria. De repente, estava na Praça da Sé vendo uma escultura de Amilcar de Castro ou vendo a série “Sarrafos” de Mira Schendel. Minha irmã escolheu essas obras para eu ver e me levou para outro estágio de fruição com os objetos de arte. Eu tinha pouca informação sobre o universo formal da arte contemporânea e vivenciar essas produções provocou em mim uma série de desmontagens e remontagens. Havia alguma verdade na obra de Amilcar e de Mira. Eu passei a pensar nessa verdade da obra, sobre o que seria isso para mim e como isso poderia ser construído para apresentar uma diferença. Eu vi a fenda em Amilcar e a protuberância em Mira, minha irmã chamou minha atenção para isso. Eu pensei: tudo pode, mas o meu interesse se voltou para o que me cabia como artista. Imitação e repetição sempre foram métodos de aprendizagem. Como imitar, repetir e transformar o que eu via, era e continua sendo uma das minhas questões. Mas, eu já sabia, na adolescência, o que era plágio e não me interessava plagiar. Interessava-me e interesso-me em criar algo diferente do plágio, que possa agregar algum grau de diferença para amplificar a percepção do estar no mundo. A criação é meu horizonte de inscrição. Então, tento, semelhante ao método empregado em minha infância, num outro tipo de exercício do imediato, fazer uso do que está disponível ao redor, no aqui e agora do ato criativo, com aquilo que o mundo me oferece. A coisa que lá já está onde também estou, como por exemplo o capim, a terra, a pedra, o barro, o galho, a folha, a flor, interessam-me de maneira direta. Tenho fixação por flor. Escrutino flores desde muitos anos. A flor é o órgão de reprodução da planta. Em minha pesquisa, parte dela se constrói exclusivamente a partir da morfologia da flor, seja em desenho, escultura, fotografia ou vídeo. Tendo a lidar com múltiplas linguagens ao mesmo tempo. Elaboro várias obras em concomitância, não raro com linguagens diferentes e muito específicas, como a escrita de textos, a produção de fotografias, ou a preparação de uma massa de adobe, para compor mais um elemento de uma ou outra série. Desenvolvo séries ao longo de minha vida. O que faço diz respeito à minha vida, ao meu lugar como espaço subjetivado e nisso, para a construção de minha obra, eu convoco os materiais com os quais vivo, com os quais me inter-relaciono, aqueles que estão ao meu lado, que de certa forma me constituem, como o livro da biblioteca, a palha da palmeira do jardim ou a baga da sementeira de alguma árvore do cerrado. Tudo isso, todo material usado, tem sua beleza e apresentá-la é uma das minhas aspirações. Talvez uma beleza bruta e delicada ao mesmo tempo, na medida em que o elemento manejado parte de um estado natural para uma apresentação poética.

 

 

Renata Azambuja: Há uma certa fragilidade na materialidade dos trabalhos mais recentes, como os que são realizados com fibra de palmeira. Essa qualidade das obras me remete a reflexões em torno da efemeridade e do tempo. Existe alguma relação com essas questões? O que você pode me falar sobre esse grupo de trabalhos?



 

Carlos Silva: Sim, muito da minha pesquisa materializada nas minhas produções seriais tangencia a questão do tempo. Diante do tempo, o tempo em si, seja lá o que isso for, diante da eternidade, tudo subsome na efemeridade. Isso é um dado categórico da existência das espécies e do planeta, no qual vivemos e o qual destruímos na exata medida do progresso, como fonte de avanços civilizatórios e recuos bárbaros. A fragilidade faz parte da vida. Mesmo as obras de Amilcar de Castro, feitas com ferro de grossa espessura, estão sujeitas ao tempo e à transformação da matéria no decorrer do tempo. Eu sou isso. Eu sou essa inscrição no tempo pela matéria disposta no espaço. Um tipo particular e específico de “metamorfose ambulante”. Desde a concepção, que deu origem a mim, sou um processo de transformação constante. Minha obra apresenta, numa certa perspectiva, exatamente isso: a fragilidade da existência diante do incomensurável, do infinito, do eterno no tempo e no espaço. Mesmo na fotografia, na imagem digital, a efemeridade abraça o tempo, é parte integrante do processo de fruição. Não só na fibra pura da palmeira, como nas séries “tramatempo” e “noar”, como também na série fotográfica “antinarciso”, a efemeridade se enoda no tempo. Existe, por um lado, a questão do tempo cronológico, o calendário dos dias e dos anos inscritos na fisionomia do retratado (eu mesmo, naquilo chamado fenótipo) e, por outro lado, a questão do tempo lógico, o estranhamento diante da mudança naquilo que a imagem convoca. Isso porque, minhas séries se constroem no tempo, não necessariamente numa sequência fechada e coesa, mas numa ocorrência epifenomênica, vivenciada num pulsar sistemática e metodicamente construído. Por exemplo, tenho o hábito de caminhar com meus cachorros. Moro hoje na zona rural de Brasília. Nesses passeios, faço fotografias de coisas variadas, entre elas, flores, seja para a série “planaltinas”, ou “oferendas”, ou “chico” ou “ciclope”. Essas séries se desenvolvem com a presença de flores fotografadas no local de encontro. O aqui e agora determina muita coisa na minha forma de pensar a construção da obra. No caso dessas flores, logo depois de fotografadas, elas entram em processo de murchamento e putrefação. O esplendor da beleza dá lugar ao nojo. Algumas de minhas fotografias são de flores murchas, secas, meio podres. Nesse sentido, no conjunto de minha obra, a relação direta entre efemeridade e tempo se apresenta de diversas maneiras e ao longo dessas décadas todas.

 

 

 Renata Azambuja: Desde 2019, começam a surgir retratos fotográficos seus dentro da série denominada Antinarciso, onde você se apresenta relacionando-se ou com objetos que você constrói ou que estão disponíveis na natureza. O que te impulsiona a realizá-los? O que eles não têm de Narciso?



 

Carlos Silva: Sou dos que creem que toda imagem tem algo de Narciso, o mito no qual a imagem é apresentada como instauradora da diferença, ao oferecer a morte como desígnio. Sei também, pela clivagem freudiana, das relações entre o mito e algumas estruturas psíquicas, definidoras de padrões culturais de ocorrência e recorrência. O narcisismo, como organização de discurso, é uma ocorrência à parte dentro do processo de produção de obra. Nesse caso da série “antinarciso” há uma relação direta e evidente com o mito de tradição greco-romana. Primeiro, pela orientação do título que se apropria do nome do mito e o apresenta numa outra configuração, diretamente negativada.  A personagem performada na série de retratos foi desenvolvida ao longo de vivências em vídeo arte, onde eu encarnava a figura estranha de um ser paradoxal, meio bicho, meio homem, meio natureza, meio cultura, que recebeu o nome de “quadrúpede ruminante”. O quadrúpede ruminante é o antinarciso. Quadrúpede porque a personagem muge em algumas aparições e ruminante porque tem, na maioria das vezes, alguma coisa na boca. Um quadrúpede a ruminar flores é Narciso, por se tratar do retrato, do autorretrato, da imagem, no manejo técnico de construção de uma narrativa. Essa, talvez seja a ideia inicial e principal da série, construída no começo como autorretratos, depois com o apoio e a parceria de Lino Valente. Nesse interim, entre a concepção autoral e a produção coletiva, a imagem ganhou grandeza no que diz respeito aos atributos visuais, à luz, à granulação, ao trato com as sombras, à pré-produção, à pós-produção e aprofundou a relação com os objetos convocados para a série. Nas últimas produções, comparecem as esferas de fibra de palmeira, marcando outra interrelação com as séries. Nesse sentido, é possível a migração de um elemento de uma série para a construção de uma obra para outra série. Os elementos se intercambiam no decorrer do meu pensamento poético e se materializam a partir de ajuntamentos possíveis. 

 

 

 

Renta Azambuja: Os títulos nas tuas obras adicionam camadas que favorecem vias outras para interpretação. A exposição foi intitulada “pra você”, sugerindo que há um ato de oferta que se apresenta. O que você idealizou para esta exposição?



 

Carlos Silva: Inicialmente, fiz uma idealização de núcleos de afeto. O afeto é um dado importante na minha vida e ela tem sido construída, paulatinamente, com os auspícios de pessoas importantes para mim. A primeira proposta de exposição foi baseada em séries dedicadas a alguém. O eixo condutor do primeiro pensamento sobre a exposição foi a série “oferendas”, construída em homenagem a Yolanda Freyre. Dela se desdobrou imediatamente a série “planaltinas” dedicada à minha mãe, Margarida, e a série “ciclope” dedicada a Xico Chaves. Assim, organizei um conjunto de obras que tinham como princípio, efetuar uma homenagem para alguém com relação direta a mim ou não, que tivesse algum grau de relação com minha produção. Como por exemplo, na série “o meu espelho é cego” dedicada a Cildo Meireles, com quem já jantei, mas que tem pouca relação direta comigo, apesar de ser uma referência fundamental para meu processo e meu pensamento artísticos. Ou na série “suspender o tempo” dedicada a meu neto Joaquim, que faz parte intrínseca de minha vida cotidiana. Então, depois de ter o aceite da galeria, com o passar dos dias, a concepção proposta inicial foi se ampliando e se transformando, ao mesmo tempo em que fui produzindo novas obras, explorando outros materiais como, por exemplo agora, o barro preparado como massa de adobe. O ato de oferta, que no momento construtivo das séries focava numa determinada pessoa, ganhou outros contornos e passou a ser indeterminado, o que amplifica e fortalece os vínculos simbólicos do título. Com os acordos profissionais, as trocas com a curadoria, a data para o início da montagem, a data de abertura da exposição, o título começou a abranger um contexto mais ampliado, dedicado a toda pessoa que entrar em contato com a produção. O título aponta para uma entrega entre autor, obra e fruidor no aqui e agora da percepção, para aquilo que o subtítulo da exposição aponta: o mistério enunciado pela palavra, texto perdido na ponta da língua.


 

A Rádio Eixo conta com o fomento do FAC - Fundo de Apoio á Cultura do Distrito Federal.




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