O Clandestino número 132 é dedicado à cultura popular da Champeta. A seguir trazemos a transcrição das falas explicativas do episódio.
Nota 1
Está começando agora na Rádio Eixo mais um programa Clandestino. Lembrando que esse projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, FAC-DF. Esse nosso programa vai ser dedicado ao gênero musical, à música, à dança, à cultura, à arte, à estética da Champeta.
Essa cultura que nasce nos bairros mais periféricos, mais humildes, mais marginalizados da cidade de Cartagena, no norte da Colômbia, tem uma fortíssima raiz africana. Mas também é uma criação toda original dessas pessoas afrodescendentes marginalizadas que dão o nome de Champeta a esse ritmo, precisamente, para se reapropiar de um termo despectivo que usava a elite branca para chamar eles, associando com o nome de champeta, que não é outra coisa que o nome dado a um facão, uma espécie de faca muito usada pelos trabalhadores desses bairros, mas que era associado pela elite e pelo estado com a criminalidade. Querendo passar a ideia que nesses bairros mais populares só tivesse ladrões, só tivesse malandros, coisa que acontece muito comumente em nossos países. A elite e, mais ainda, a elite branca, quando as populações afrodescendentes ou em geral as populações mais populares, geram e produzem uma cultura própria, geralmente é estigmatizada e marginalizada. É considerada uma expressão de delinquência um foco de delinquência e um problema social pois bem o acham peta aconteceu.
Exatamente isso aí, a Champeta era considerada cultura de ladrões, as festas de Champeta eram consideradas foco de delinquência e foram obviamente proibidas. Se tentou resolver, entre aspas, um problema que obviamente tem outra origem, vem da desigualdade e não se resolve proibindo a expressividade cultural e musical do povo. A Champeta que surge então perto da cidade de Cartagena, que talvez, possivelmente, é a cidade com a maior desigualdade social e econômica do país, já que no centro da cidade vocês podem encontrar lojas de marcas globais, caríssimas, inclusive numa cidade quente e tropical como Cartagena, vocês encontram lojas de roupas de inverno e os restaurantes mais requintados, e na periferia os bairros mais pobres e mais marginalizados. Nesses bairros, precisamente, surge então o ritmo e a cultura da Champeta.
Sobre a origem da Champeta tem várias teorias, tem várias histórias associadas, mas basicamente o que podemos com certeza dizer é que tem uma base africana. Sobre como chegaram esses ritmos africanos nesses bairros tem várias teorias. Uma das mais comuns, talvez também a mais romântica, é aquela que diz que vieram nos discos que alguns marinheiros africanos trouxeram, alguns discos de ritmos africanos, e esses discos chegavam nos bairros e aí começou a se produzir. Mas realmente o fluxo de discos era importante porque devia-se alimentar, devia-se alimentar o repertório, o acervo musical dos picós, que são aquelas aparelhagens gigantescas que surgem nos anos 50, 60, nesses bairros populares, e que tocava basicamente música para dançar, salsa e outros ritmos. Assim, quando chegam os primeiros discos de música africana eles viram uma raridade, e esses discos começam a ser cobiçados pelos donos desses picó, que são aquelas aparelhagens bem parecidas com os sonideros que a gente viu no programa dos sonideros no México. Então aquelas aparelhagens gigantescas que tem um nome, que tem um dono conhecido, e que naquela época onde não tinha internet nem Spotify, ter os discos mais raros, mais populares, que faziam dançar a galera nessas festas na rua, era uma vantagem especial com relação aos concorrentes dos outros picos. Aí começam a se procurar discos de música africana, e esse ritmo começa a chegar, e pouco a pouco começa a se fazer uma versão própria dessa música, que vai ser chamada, genericamente, de Champeta.
A gente começou escutando no nosso programa a famosíssima música La Voladora de El Sayajín que foi extremamente popular na Colômbia quando a Champeta saiu desses bairros populares e conquistou o país, durante os anos 80 e 90. Vamos então começar este nosso programa, continuar o nosso programa, escutando alguns sucessos dos anos 80, dos anos 90 da Champeta, sucessos que precisamente como a primeira música, saíram um pouco dos bairros populares e foram para a rádio e conquistaram o país todo. Vamos então continuar o nosso programa Clandestino dedicado à música Champeta, dedicado à cultura popular afro-colombiana, como sempre, no programa Clandestino na Rádio Eixo.
Nota 2
Vamos dando continuidade ao nosso programa Clandestino da Rádio Eixo, dedicado dessa vez à Champeta, à cultura, à música da Champeta. Já falamos dos discos de música africana que chegavam nos picó, naquelas aparelhagens, nos bairros mais populares de Cartagena, onde vira uma moda, vira uma dança, vira uma febre. Mas, naquela época, trazer esses discos era difícil, era muito custoso. Aí começa a ficar mais fácil fazer a própria música. E, com a criatividade dos nossos povos, isso não foi tarefa difícil, inclusive com a escassez de recursos, com ferramentas bem simples, começa-se a reproduzir essa música africana e lhe dar um tom local. Assim, surgiu o que seria a Champeta criolla, que era para diferenciar precisamente da Champeta africana. Champeta produzida nesses bairros populares com recursos mínimos, se usava um pequeno teclado que tinha alguns efeitos sonoros, se faziam alguns ritmos com esse teclado, em estúdios pequenos, estúdios com poucos recursos, se começou a se gravar uma grande quantidade de música e vídeos que iam alimentar aqueles sonideros, aqueles picó das festas populares que tocavam salsa e outros ritmos para dançar, e que perderam espaço para a Champeta. Começaram a surgir então essas festas populares, e a Champeta também virou uma dança, uma expressão popular que, como já falamos, saiu dos bairros, foi para a as radios e como sempre o poder, como sempre, a grande mídia, vendo a potencialidade que tinha esse ritmo, se apropriou dele e virou um pouco mais aceito. Foi cooptado então pela grande milha, e na Colômbia e outros países ficaram sabendo que existia um ritmo popular, uma dança popular lá na periferia, que se chamava Champeta. Mas mesmo assim, a vida nesses bairros continuava difícil, continuava complexa, problemática, os problemas sociais continuavam a se associar às danças, às festas, com a delinquência e com a marginalidade. Vamos então continuar nosso programa, escutando outros sucessos importantes de Champeta dos anos 80 e 90. Aqui, como sempre nos programa Cladestino da Rádio Eixo.
Nota 3
Estamos dando continuidade ao nosso programa Clandestino, aqui da Rádio Eixo. Como já falamos, a Champeta é um ritmo, uma cultura puramente popular, extremamente popular, nascida nos bairros mais humildes, mais populares, então vocês poderão inclusive ter notado que as gravações, às vezes, são feitas com recursos limitados. Eram estúdios com poucos recursos e isso às vezes dá para perceber, era a originalidade e a recursividade do povo resolvia essas limitações, porém, com um relativo reconhecimento e um pouco mais de visibilidade, algumas coisas mudaram e surgem algumas gravações um pouco mais, digamos, profissionais, entre aspas, com um pouco mais de recursos. Entre outras, a Palenque Records, liderada por Lucas Silva, começa a fazer umas gravações um pouquinho mais elaboradas, e lança alguns discos, algumas compilações que fazem uma homenagem à Champeta, à artistas da Champeta. É isso que vamos escutar a continuação nesse nosso último bloco.
Vamos tirar uma música do disco Champeta Criolla, volume 2, da Palenque Records, que precisamente tenta divulgar, tenta fazer chegar a Champeta a um público mais amplo. Como muitas vezes acontece, na Europa e em outros países tem mais interesse, mais conhecimento pela cultura popular dos nossos próprios países. Vamos continuar esse nosso último bloco escutando algumas músicas, também sempre da Palenque Records, de outro disco muito interessante, chamado Vudu Love, Inna Champeland, da Colombiafrica and Mystic Orchestra, que é um projeto muito interessante, no qual a Champeta volta para a África, a gravadora vai procurar alguns artistas africanos, procurar esse link. O disco se grava entre Paris e Cartagena e se junta, se faz essa compilação onde se encontra a raiz africana com a sua versão champeteira colombiana e fazem esse interessantíssimo disco já com uma produção muito mais elaborada e realmente onde a Champeta alcança uma profissionalização muito maior.
Vamos fechar o nosso programa escutando duas músicas bem interessantes porque realmente são um pouco o que acontece depois que a Champeta vira mais madura, depois que a Champeta sai um pouco da sua marginalização, sai dos vários populares e traz um produto talvez um pouco mais elaborado, porém também com o perigo digamos, entre aspas, de se comercializar e fazer música para vender, fazer música para gringos ver. Não é o caso dessas duas músicas que vamos escutar de um grupo recente, dos últimos anos, que traz uma música bem interessante que se chama La Pupileta, e que traz um tema muito comum, um tema fundamental, a Champeta, que é a galera branca, galera do centro da cidade, que gosta de Champeta, mas fica com vergonha de falar que gosta dessa música marginal, que gosta dessa música entre aspas, de delinquente, mas não conseguem aguentar, essa história de La Pupileta. E vamos fechar um programa Clandestino com a música El Serrucho, que foi um sucesso nos últimos anos, um sucesso espetacular, é uma champeta mais recente, um pouquinho mais comercial, mas que mantém a sonoridade e mantém a essência dessa música popular, dessa música afrocolombiana, que é chamada de Champeta e que até hoje faz a delícia dos dançarinos e dos participantes dessas festas populares animadas sempre com a música da Champeta. É, como sempre, o programa Clandestino aqui da Rádio Eixo.
Comments