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Yago Quiñones Triana

Programa Clandestino - Bola de Nieve.

Programa Clandestino 139 – Ángel Canales

 

Nota 1

Começa agora mais um Programa Clandestino aqui, como sempre, na Rádio Eixo, lembrando que o nosso programa, nessa temporada de 2024, é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, FAC-DF, e dessa vez vamos dedicar o nosso Programa Clandestino a uma figura fundamental, a uma figura particular da música cubana, da música caribenha, da música latino-americana e até da música mundial.

Trata-se do saudoso Ignacio Villa, também conhecido ou melhor conhecido como Bola de Nieve, um apelido que hoje seria considerado bullying, que evidentemente surgiu como uma brincadeira que ele não gostava, aliás, ele ficava muito bravo com isso quando era jovem. Mas depois ele inclusive assumiu esse apelido e realmente é mais conhecido como Bola de Nieve que com com seu nome de batismo. Bola de Nieve então nasce em Cuba no começo do século 20, em 1911, e fica conhecido mais no México, começa a ser conhecido mais no México, ainda que ele tivesse uma formação clássica lá em Cuba e tivesse começado a tocar o piano acompanhando filmes mudos, filmes silentes. Ele fica famoso mais no México, acompanhando a cantora Rita Montaner, muito conhecida, muito importante na época, que vê ele tocando uma vez o piano e convida para acompanhar ela.

Depois lá no México, quando já era conhecido como Bola de Nieve, (há quem inclusive diga que foi a própria Rita Montaner que botou esse apelido nele e fez com que esse apelido aparecesse pela primeira vez oficialmente nos teatros como o seu nome artístico) ele foi conhecer um importantíssimo músico e compositor cubano, Lecuona, que levou ele de volta para Cuba. Lá em Cuba foi adquirido uma fama muito importante, foi sendo cada vez mais conhecido pelo seu estilo particular. E, inclusive, já mais na frente da sua carreira, ele montou a sua própria casa de shows, que era o restaurante El Monseñor, que viraria rapidamente Chez Bola, onde ele se apresentava de uma forma mais íntima. As pessoas iam lá encontrar ele e faziam as suas apresentações, o que era muito conveniente para seu estilo, que é um estilo intimista, que flerta muito com o público, se acompanha, se comunica muito com o público.

A gente começou escutando uma música tradicional, uma música extremamente conhecida da produção de Bola de Nieve, que é a música El Manicero, como orquestração com acompanhamento de orquestra, mas a forma mais conhecida, a forma habitual do Bola de Nieve se apresentar e cantar era acompanhado do piano, onde ele realmente conseguia demonstrar todas as suas capacidades e todo o seu talento, o seu estilo de cantar. Inclusive ele mesmo falava que ele não era um cantor, que ele falava as músicas, e que realmente, ainda não sendo verdade, descreve muito bem o seu estilo, que às vezes mais que cantado é falado.

Com esse acompanhamento do piano sempre presente, no qual ele vai inserir várias tradições, várias influências, lembrando que ele tem uma sua educação formal na música clássica, formação de conservatório, mas evidentemente as raízes, as influências africanas estão sempre presentes. Há quem diga que na mão esquerda, na sua forma de tocar o piano, na mão esquerda tem muitas células, tem muitas sonoridades, tem muitas influências na música espiritual africana. E ele vai inserir implicitamente, como dizer, quase que escondendo atrás de um instrumento europeu erudito, algumas batidas, algumas sonoridades da religiosidade africana. E vamos continuar escutando algumas músicas nesse nosso primeiro bloco, que vão mostrar um pouco dessa mistura, desse trabalho dele a partir das raízes africanas, mas a partir também dos instrumentos europeus.

Ele falava também que ele não era um cantor, que não era um artista, que era simplesmente um cara comum que tinha a voz de um vendedor de rua. Evidentemente, ele é muito consciente da sua negritude, e estava fazendo referência aos escravizados, aos filhos dos escravizados que estavam na rua da cidade vendendo os seus produtos. E tem várias músicas que fazem referência, precisamente, a essa condição, como o próprio El Manicero.

Mas a gente vai escutar outras músicas, como El Botellero, El Manicero, El Escobero, que são uma espécie de pregones, são aqueles cantos que os vendedores da rua usavam para chamar a atenção, e que eram, basicamente, músicas empíricas. Eram os cantos muito melódicos, espontâneos, dos vendedores de rua. E o Bola de Nieve era também muito conhecido pelas festas na sua casa, que muitas pessoas dizem que era mais conhecida da mãe que o próprio bola de neve. Uma família muito musical e lá na casa da sua mãe, de mamãe Inés iam a fazer festas as pessoas. A gente vai começar esse nosso bloco escutando, precisamente, a música Mamá Inés que faz referência a essas festas. E a gente vai escutar outras músicas desse nosso primeiro bloco, como Cartola tá morí, Drume Negrita, Drume Mobilia, onde vocês poderão notar que o uso do espanhol é propositalmente errado. Um pouco como faz aqui no Brasil Adoniran Barbosa errando, entre aspas, o português, o que faz realmente é o uso correto da língua popular, e o Bola de Nieve fez isso ao longo da toda a sua carreira. Ele não cantava suas músicas no espanhol correto formal da Academia da Língua, mas no espanhol dos filhos dos escravizados, o espanhol popular, o espanhol das ruas, que era aquele que se usava realmente na vida cotidiana, para fazer coincidir a métrica das músicas com a linguagem, a palavra real e popular da sua ilha de Cuba.

Vamos começar, então, escutando algumas dessas músicas que fazem referência às suas raízes africanas, não só na métrica, não só no uso do espanhol, mas também na temática. É uma temática que deixa muito claro a consciência que ele tinha da sua negritude, das suas raízes africanas, das suas raízes de escravizado, da sua família. E vai trazer várias histórias da vida cotidiana desse povo africano que morava, que mora nas ilhas do Caribe, que mora nas Antilhas, que mora em Cuba, e que até hoje traz um pouco todas essas histórias, toda essa cor, toda essa beleza, da cultura africana. Então, é o cantor, compositor, Bola de Nieve, cubano, aqui no Programa Clandestino, como sempre, na Rádio Eixo.

 

Nota 2

Continuamos nosso Programa Clandestino escutando um pouco da obra do grandíssimo Bola de Nieve. No nosso primeiro bloco a gente escutou umas músicas mais tradicionais, umas músicas bem associadas, bem relacionadas com a cotidianidade do povo afro-cubano, com a sua religiosidade, com as suas histórias, com as suas métricas, com a sua forma de falar e de cantar em espanhol. Devemos lembrar que o Bola de Nieve também tinha uma educação musical formal e que era também um grandíssimo pianista dentro dos cânones, digamos, europeus, dentro dos cânones eruditos. E ele demonstrava isso, demonstrou isso ao longo da sua vida, quando era necessário. Então, vamos começar escutando algumas músicas que fazem referência a outro tipo de tradição, que fazem referência, talvez, a algumas raízes também europeias e outros ritmos que são conhecidos nos nossos países, como o bolero, por exemplo. A gente vai começar escutando duas músicas bem importantes, bem demonstrativas disso que estamos falando, que seria a Becqueriana e o Caballero de  Olmedo, onde evidentemente o uso do piano já não é mais para acompanhar a voz, já não é mais para imitar ou para fazer referências aos ritmos da espiritualidade africana, mas é claramente um piano europeu, um piano mais erudito. Como, por exemplo, vamos escutar a música Caballero de Olmedo, que inclusive faz referência ao escritor barroco-espanhol Lope de Vega, mas que o Bola de Nieve vai fazer essa brincadeira, vai se apropriar dessas sonoridades e fazer toda uma sua versão erudita, mas sempre com referências africanas.

E continuaremos escutando alguns boleros, algumas músicas tradicionais que ficaram muito conhecidas, muito famosas na voz dele, por exemplo, a importantíssima Flor da canela, Vete de mí, dois boleros muito importantes da música espanhola, mas que na versão de Bola de Nieve, vão adquirir uma cor e uma tonalidade realmente inconfundível, sempre com o estilo de Bola de Nieve: aquele cantar baixinho, aquele cantar de brincadeira, aquele cantar como já falamos, que às vezes é mais falar a música do que cantar a música, e que hoje somente todos os clássicos da música espanhola. Vamos começar, então, o segundo bloco, escutando essas músicas com outra tonalidade, com outra proposta do Bola de Nieve, demonstrando toda a sua versatilidade e todo o seu conhecimento formal, do seu conhecimento popular da música, acompanhado com o seu piano e o grandíssimo cubano Bola de Nieve, aqui em no Programa Clandestino da Rádio Eixo.

 

Nota 3

Vamos começar nosso terceiro e último bloco do nosso Programa dedicado ao grandíssimo cubano Bola de Nieve. Como já falamos, o Bola de Nieve começou a sua carreira no México e ficou muito famoso em Cuba também, onde era uma grande estrela, mas ele, pelo seu talento, pelos seus ritmos, pela forma de tocar o piano, pela forma de se apresentar ao vivo, era muito popular em toda a latino-américa. São famosos e importantíssimas as suas apresentações na Argentina, claramente no México, também no Peru e em outros países, mas dali ele começou a ser conhecido também fora do continente americano, era muito conhecido na Europa, onde funcionava muito bem naquela época o cabaré, naquela época as apresentações ao vivo das revistas musicais, ele era muito bem visto, muito bem recebido também pela sua forma de tocar o piano, pela sua forma de se relacionar com o público. Se vocês forem procurar na internet vídeos, alguns dos vídeos que têm nas suas apresentações, dá para perceber que realmente a sua forma de tocar o piano era muito original, muito histriônica. Ele gostava de fazer algumas pausas dramáticas, fazer alguns gestos com a boca, alguns gestos faciais que dava, que aumentava o mistério nas suas apresentações, que era muitas vezes cheia de brincadeira, outras vezes de dramatismo. Isso era muito bem visto, muito bem recebido pelo público.

Sendo ele então muito famoso, chegando a ser um artista, digamos entre aspas, global. Ele demonstrou isso nas suas músicas e gostava de cantar em outras línguas. Ele era capaz de cantar em francês, de cantar em inglês e cantar inclusive em português. Vamos fechar esse nosso último bloco, escutando algumas músicas do Bola de Nieve, cantando em outras línguas, e também cantando sobre essa sua fama internacional, que é muito interessante. Vamos então começar escutando a música de Messier Julien, onde ele vai falar precisamente disso. Ele vai falar que é um artista global, que um artista mundial, misturando um pouco com o francês, falando que ele é Messier Julien. Contando que ele conhece o mundo todo, que foi na Europa, que conhece vários países, mas ainda faz aquelas brincadeiras, falando, entre aspas, em espanhol, errado, demonstrando que as suas raízes são afro, que as suas raízes são bem populares. Apesar de ser um artista conhecido global, não deixa de lembrar as suas raízes, que é tudo, então, de brincadeira. Vamos escutar, então, Tres motivos de Son, que vai falar, precisamente, sobre essa temática. E a música em francês La vie em Rose, também a música Monasterio Santa Chiara, na qual ele vai cantar em italiano, e duas músicas que vai cantar em português, como Quindins Yaya e Faixa de Saten. E fecharemos com uma música muito conhecida que é Be Careful Is My Heart, que é uma das músicas que ele gravou em inglês, tem outras várias que ele gravou em inglês, pois ele gostava muito da música em inglês também, e fazia as suas versões, demonstrando então que era um artista afro, que era um artista muito ligado com a sua espiritualidade africana, que era ligado com a sua família, com a sua identidade afro-cubana, mas que era também um músico de formação erudita, que era um músico que virou famoso no mundo todo, que virou um artista global, mas que era também capaz de cantar em várias línguas. Lembremos que a carreira de Bola de Nieve, apesar de ter um sucesso muito importante no mundo, não foi fácil no seu começo, por evidentes motivos do racismo naquela época, mas também por causa da sua homossexualidade, teve muitas portas fechadas, teve que lutar também contra esse preconceito. Mas, apesar disso, o Bola de Nieve conseguiu ter aquele sucesso global, conseguiu impor o seu estilo particular e diferente, virar uma estrela. E hoje em dia, as suas músicas continuam frescas, continuam trazendo aquela sua mensagem, aquela sua originalidade, aquela sua imensa beleza. É o grandíssimo Ignacio Villa, então, Bola de Nieve, aqui, como sempre, no Programa Clandestino da Rádio Eixo.

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