Programa Clandestino 143 – Carranga
Nota 1
Começa nesse momento mais um Programa Clandestino aqui na Rádio Eixo, Música sem Algoritmos. Lembrando que essa temporada do Programa Clandestino é realizada com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal FAC DF.
E dessa vez vamos dedicar o nosso Programa Clandestino a um gênero bem particular, a um gênero original, a um gênero relativamente recente na sua consolidação, e que traz toda a poética, toda a beleza, toda a musicalidade, a sonoridade e a poesia dos camponeses do campo central da Colômbia. Estamos falando do gênero da Carranga. A gente começou escutando nesse nosso Programa Clandestino, a Jorge Velosa, dos Carrangueros, com a música, o Rey Pobre, que já traz um pouco do que a poética da Carranga, que vai falar da vida simples, porém difícil, dos trabalhadores rurais, vai falar dessa sua poesia, do convívio com a natureza, com os animais, do trabalho, o trabalho na terra, a relação também com a cidade, uma relação sempre potencialmente conflitiva, mas que traz basicamente a simplicidade dessa vida rural e a espontaneidade, a naturalidade da vivencia do campo.
Essa música, com esse gênero da Carranga, a diferença do que acontece com outros gêneros tradicionais, entre aspas folclóricas dos nossos países, é perfeitamente fácil reconstruir o seu nascimento, a sua gênese, porque nasce precisamente com esse grupo, os Carrangueros de Ráquira, que inclusive botam o próprio nome, do estilo, a Carranga, com Jorge Velosa e os seus colegas do grupo dos Carrangueros. É perfeitamente fácil a gente ir para trás e reconstruir a história do nascimento do gênero, que, porém, não nasce evidentemente do nada. Ele retoma ritmos, retoma sonoridades, retoma instrumentos da tradição camponesa dessa região central dos Andes da Colômbia, basicamente a região de Boyacá, mas também a região de Santander e de Cundinamarca. Retoma esses ritmos, esses recursos musicais que já existiam e lhe dá uma nova paginação, um novo estilo, um novo formato, mas baseado no ritmo existente, baseado também na poética e nos instrumentos tradicionais.
É o ritmo da Carranga. Carranga, o que quer dizer? Queria dizer, na linguagem, na linguagem coloquial, quase que no dialeto dos camponeses dessa região, a carranga era um animal velho, um animal que tinha sofrido talvez um acidente, que não prestava mais e era vendido para fazer embutidos de forma pirata. Uma história bem macabra, uma história bem estranha, mas que era uma forma de chamar a atenção e falar dos “carrangueros”, que eram essas pessoas que comerciavam com essa carne ilegal e que tinham essa malandragem, essa malícia, e é uma forma de chamar a atenção. Eu, pessoalmente, sempre tenho pensado que carranga também é uma palavra, um título, um nome onomatopeico que faz referência ao instrumento de percussão da guacharaca, que é aquele acompanhamento rítmico que vocês escutaram na primeira música e que vamos escutar ao longo do Programa, que é basicamente uma espécie de reco reco, só que feito de madeira.
Vamos então começar a escutar algumas músicas, alguns representantes desse ritmo da Carranga que, na verdade, é concebido na cidade de Bogotá. Lá se juntam algumas pessoas, várias pessoas lá nos anos 80, liderados um pouco por Jorge Veloso, do qual já fizemos um Programa Clandestino. Mas que se junta com outra série de músicos extraordinários, como o Javier Moreno, que interpreta o requinto, o instrumento talvez mais chamativo do gênero, e Javier Apraes, que toca a guitarra, e Ramiro Zambrano, que toca o típle. Todos instrumentos de corda, a exceção da guacharaca, que é um instrumento de percussão, todos feitos de madeira. E essa seria a formação, esses quatro instrumentos com voz, seria a formação original, seria a formação canônica, digamos, desse novo gênero que pegou vários ritmos tradicionais, e deu nesse gênero novo, juntando algumas modalidades de música tradicional, alguns ritmos de música tradicional, como o Torbellino, o Merengue, a Rumba Campesina, e deu aquela poética camponesa, aquela poética do trabalho, aquela poética da vida simples. Tudo isso lá na cidade de Bogotá, na Universidade Nacional, na universidade pública, em um ambiente de extrema criatividade, lá pelos anos 80. Esses músicos, que já trabalhavam em outros projetos, que vão se juntando e criam os Carrangueros de Ráquira, propondo esse novo gênero musical que volta para Boyacá, volta para o campo, volta para a região rural, e vai virar um êxito absoluto. Assim, os camponeses da região vão retomar, vão adotar esse ritmo, e vão nascer vários grupos, vários grupos musicais que a gente vai começar a escutar nesse nosso primeiro bloco. Então vamos escutar grupos que são característicos lá da sua região. É o Programa Clandestino dessa vez, com música camponesa, música rural, como sempre, na Rádio Eixo.
Nota 2
Continuamos nosso Programa Calndestino, dedicado ao gênero da Carranga, um gênero camponês, um gênero que pega as tradições, os instrumentos tradicionais da região central, montanhosas dos Andes da Colômbia. Os Carrangueros de Ráquira, um grupo de quatro músicos que se encontra na cidade de Bogotá, propõem então um novo gênero que é basicamente conformado pela guacharaca, instrumento de percussão de madeira, uma espécie de reco reco, a guitarra, o violão comum espanhol, o típle, que é um instrumento de 12 cordas, uma espécie de violão, mas de 12 cordas, e o requinto, um pouco menor que o típle, aliás é o típle requinto tradicional da Colômbia, e que é o instrumento que vai levar à melodia. Esses quatro instrumentos, todos de madeira, aliás, entre os intérpretes da Carranga, eles vão falar dos palitos, os pauzinhos, paus de madeira. Os quatro paus de madeira que eles vão usar.
Esses quatro instrumentos seriam a formação clássica tradicional que foi proposta lá no final dos anos 70 pelos Carrangueros de Ráquira, quando gravam o seu disco e propõem essa formação, essa formação que nasce nas cidades, mas traz toda a sensibilidade do campo, toda a sensibilidade oral. Propõem esse ritmo musical, esse gênero, começa a ter um sucesso talvez inesperado, começa a ser tocado em todas as estações de rádio, todas as rádios. Inclusive, eles são convidados ao Madison e Square Garden para fazer uma apresentação lá em Nova Iorque. Mas esse ritmo que era pensado, que era sentido, naquela região que trazia a poética, as músicas, os temas musicais que falavam da vida, do campo, do trabalho, das histórias cotidianas e simples, voltam para suas regiões e vira um gênero, entre aspas, tradicional, vira um gênero folclórico nessa região. Escutado nas emissoras, especialmente naquelas pequenas cidades. Naquela época, imaginem vocês, anos 80 do século passado, naquelas regiões, ainda hoje, mas naquela época ainda mais, a rádio era um elemento fundamental de comunicação, elemento fundamental de entretenimento, especialmente para os trabalhadores rurais, que às vezes, às quatro, cinco horas da manhã, a única companhia é aquela pequena rádio de bateria. Lá vira realmente um ritmo tradicional, vira um ritmo de sucesso e vira um ritmo mais popular. Então, a Carranga, que nasce na cidade de Bogotá, volta para a sua região e vira um gênero de dança extremamente importante, já que é muito comum em festivais, muito comum em verbenas, festas populares, festas tradicionais. Onde se toca a Carranga precisamente para dançar já que é um ritmo extremamente dançante, realmente alegre e popular. Vamos continuar, então, escutando músicas tradicionais daquelas regiões, cantando a sua terra e botando as pessoas a dançar. É o Clandestino carranguero, aqui, como sempre, em Rádio Eixo.
Nota 3
Continuamos com o nosso Programa Clandestino carranguero, dedicado à Carranga, esse ritmo que é relativamente recente, que é tocado com quatro instrumentos principais, como já falamos, o requinto, aquele instrumento de cordas que leva a melodia, que faz às vezes os solos, geralmente é o músico, mais destacado, porque fica com a tensão acima dele, já que leva a melodia e também nas apresentações ao vivo, é o que leva os solos, é o que leva a parte mais chamativa. Mas é acompanhado de forma fundamental pela guitarra, pelo violão, que às vezes é substituído pelo baixo, e faz uma função mais harmônica. Também acompanhado pelo tiple, que vai completando, também vai levando, vai fazendo um trabalho mais rítmico. O tiple é aquele instrumento que vocês poderão ter escutado, que vai fazendo, digamos, um riff contínuo e vai fazendo a marcação, vai marcando o ritmo junto com o instrumento da guacharaca, que é aquele instrumento de percussão, como já falamos, uma espécie de reco reco que vai variando de um ritmo para o outro dentro da Carranga. Porque, devemos lembrar, que a Carranga é um gênero musical, mas dentro desse gênero musical acontecem muito ritmos, como já vimos, por exemplo, no Vallenato ou na Cumbia: tem um gênero musical, mas dentro desse gênero musical tem vários ritmos diferentes, chamados, às vezes, de vários aires diferentes.
Dentro da Carranga temos vários aires, como o Merengue, a Rumba Campesina, o Bambuco, e essa divisão de gêneros, essa divisão de aires, nem sempre é tão evidente, nem sempre é tão clara. Um pouco, talvez, como o que acontece aqui no Brasil, quando se pergunta, naquela famosa entrevista, do Zeca Pagodinho, quando perguntam para ele a diferença entre Partido Alto e Samba Canção e ele é incapaz de responder de forma precisa. Acontece uma coisa semelhante, esses ritmos são variados, são muitos, e os músicos interpretam de várias formas e nem sempre todos eles concordam com essas divisões. Mas aquele reco reco ou a guacharaca é instrumento que varia mais com relação aos diferentes aires dentro da Carranga.
Esses quatro instrumentos, os quatro palitos, os quatro pauzinhos de madeira são fundamentais e são fundamentais também na poética do que se fala na Carranga. A Carranga fala basicamente de histórias cotidianas, de histórias simples, de histórias do campo, de histórias rurais, histórias com bichos, com animais do campo, do trabalho, das festas tradicionais, as festas na terra, como os feriados religiosos, e fala um pouco obviamente do amor e fala um pouco da dança, fala um pouco também dos problemas do dia a dia, da natureza, agradecendo a natureza, agradecendo ao campo, aos frutos que se dão no campo e conta histórias também às vezes engraçadas, às vezes simples. É muito comum na Carranga essa tradição, digamos, inaugurada por Jorge Velosa, que também é um poeta, que também é um trovador, que também é um repentista e isso se mantém até hoje. As letras da música de Carranga, às vezes tem um jogo de linguagem, às vezes tem umas brincadeiras, às vezes tem humor que nem sempre é explícito. Muitas vezes piadas que talvez é preciso algum conhecimento do espanhol da Colômbia para ser compreendida, e isso se mantém até hoje, inclusive nos nomes das agrupações, que às vezes são uns nomes bem engraçados, bem diferentes. Como, por exemplo, Los Filipichines, Los Fulanos, que não é outra coisa que nomes, formas de falar, formas de se expressar populares, formas de se expressar do povo e dos camponeses, basicamente, quando vão à cidade. É um Programa Clandestino, então, escutando um pouco de Carranga, essa música tocada com quatro instrumentos de madeira, quatro instrumentos tradicionais, e que fala da vida do campo, da vida espontânea, da vida do trabalhador camponês. É, como sempre, o Programa Clandestino, da Rádio Eixo.
Nota 4
E a Carranga chega no século XXI. Esse ritmo que temos escutado no nosso Programa Clandestino de hoje. Ritmo, entre aspas, tradicional, que retoma algumas tradições, que vai retomar especificamente instrumentos tradicionais e vai falar de temas tradicionais do campo. Chega no século XXI e como acontece inevitavelmente, as novas gerações, as novas sonoridades, os novos sentires vão começar a negociar, a dialogar com esse ritmo, com esse formato fechado de quatro instrumentos e vão surgir umas propostas inovadoras, desafiadoras também. Inclusive há quem diga que o grupo Carrangueros de Ráquira, que se dissolveu muito rapidamente, que durou só a redor de três, quatro, anos, se dissolveu porque alguns dos músicos do grupo queriam improvisar, queriam explorar com novas sonoridades, produzir novos instrumentos, mas outros deles queriam permanecer na formação tradicional.
Mas o ritmo traspassa fronteiras, traspassa séculos e chega à nossa contemporaneidade e, inevitavelmente, as novas gerações de outros sentires vão transformar o ritmo, apesar de todos eles entenderem quais são as raízes, de todos eles entenderem a importância de Jorge Velosa, a importância dos instrumentos, da sua poética. Mas há algumas necessidades, como por exemplo, nas apresentações ao vivo, utilizar instrumentos que funcionam um pouco melhor ao vivo, instrumentos que dão um pouco mais de força, como por exemplo, um baixo elétrico, às vezes substituindo o violão, ou então um violão eletroacústico que dá um pouco mais de força, ou algum instrumento de percussão para além da guacharaca, ou então instrumentos inclusive elétricos, inclusive plugados e com efeitos eletrônicos, isso começa a acontecer.
E começa a chegar a clássica disputa entre os conservadores e os desafiadores, que está acontecendo inclusive nesse momento, e que lhe dá uma vitalidade importantíssima ao gênero. A Carranga hoje em dia é um gênero extremamente popular, especialmente em pequenas cidades daquela região de Boyacá. Muitas crianças aprendendo os três instrumentos de corda e a guacharaca, muitos novos grupos se apresentando. E nas festividades populares, nas verbenas, é praticamente imprescindível que tenha um grupo de Carranga para cantar e dançar. No final dos anos 70 e dos anos 80, os Carrangueiros de Ráquira ainda se escutam em qualquer festividade, mas também novas sonoridades convivem juntas.
A Carranga que nasceu na cidade e voltou para o campo, volta de novo para a cidade e muitos músicos de formação acadêmica tradicional formada nas universidades das grandes cidades, retomam os instrumentos que, aliás, importam lembrar, Típle, Requinto, o Violão especialmente o Requinto, não é um instrumento fácil de tocar. Um instrumento inclusive de tradição clássica, um instrumento de tradição erudita, que não é fácil de tocar. E alguns estudantes de música clássica, começam a tocar e depois caem para a música popular. Então, com essas novas sensibilidades, com esses novos conhecimentos, começam a aplica-los na Carranga e a procurar novas sonoridades.
E o que a gente vai escutar nesse nosso último bloco, que tem vários grupos interessantes que têm misturado um pouco das sonoridades, inclusive do Rock, fazendo versões. Inclusive temos um grupo, os Rolling Ruanas, que o nome já diz tudo, eles começaram fazendo versões de música Rock, por isso a referência aos Rolling Stones, e tiveram um sucesso extraordinário, já é um grupo totalmente consolidado. E outros grupos que vamos escutar nesse último bloco, que realmente conhecem que a Carranga não é exclusivamente uma música do campo, mas pode ser adotada, pode ser interpretada por músicos com outra formação, com músicos com outra mentalidade, e isso faz com que o ritmo seja incrementado, com que a vitalidade do ritmo seja atualizada e tenhamos um ritmo que está totalmente preservado, a tradição está totalmente transportada para o século XXI, totalmente garantida pelos grupos de jovens.
Vamos escutar o grupo Carranga Kids, que o nome já diz tudo, é um grupo de crianças que toca a Carranga, que não são os únicos, isso somente demonstra que tem muitas crianças aprendendo a tocar a Carranga e que trarão no futuro, quando sejam músicos profissionais, trarão a sua própria vivencia e talvez vão propor novas mudanças para a Carranga, sempre que sejam mantidas a sua essência. Quando vocês escutam, ou se fazem entrevistas, com os músicos falando, eles realmente, praticamente todos eles, reconhecem que mais que os quatro instrumentos, que mais que algumas sonoridades específicas, tradicionais, o que identifica a Carranga é a sua poética, que é a relação com a terra, aquele sentir alegre, aquele sentir espontâneo, que é independente dos instrumentos que se utilizam, independente do tipo de arranjo que se coloque. Então, é o nosso Programa Clandestino fechando com as novas sonoridades, fechando com as novas propostas da Carranga, aqui como sempre, na Rádio Eixo.
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