Rafael Ops é um artista muito especial da cidade de Brasília. Ops é músico, compositor, produtor, DJ, ator e designer. Deu início a sua trajetória artística em 2003 e, de lá para cá, participou de algumas bandas e atuou em alguns espetáculos teatrais.
Em 2007 passou a integrar o coletivo de DJs Criolina, coletivo que criou uma das festas mais badaladas de Brasília, a Festa Criolina, e, como DJ, Ops se apresentou pelo mundo afora.
Em 2017 partiu para a carreira solo e lançou o álbum Não Tá Tudo Bem, que figurou como o segundo melhor disco brasileiro de 2017 na lista Melhores da Música Brasileira. Em 2019 lançou o segundo álbum, Lindo Mundo Feio e recentemente o single Novo Normal.
Paola Antony – Ops, eu estava ouvindo agora, com mais atenção, seu disco Não Tá Tudo Bem, de 2017, e, rapaz, é uma chacoalhada, hein?
Ops – É um tapa, né? Ele é superprofético. Você viu que eu falo de epidemia? Muito louco. Há muita coisa ali que foi se concretizando. Um amigo, Lúcio, de Salvador, que mora no Rio, falou assim: "Cara você é tão coração que na letra dessa música você fala 'se fosse epidemia, se fosse te matar, você acordaria e tentava ajudar'”. Olha que coisa, nem com pandemia as pessoas estão dispostas a acordar e ajudar. Eu, otimista, fiz a profecia otimista e na verdade o que a gente está vivendo hoje não é nada otimista.
Ainda que seja legal falar de quem está preocupado em fazer alguma coisa, não ficar olhando só para os 20% negacionistas e cruéis, até eugenistas, enfim. A verdade é que nós somos maioria, os devotos do amor, como eu digo na letra.
Paola Antony – Já que abrimos falando do seu primeiro disco, queria que você comentasse um pouco mais sobre ele, justamente porque quem o escuta hoje acha que você está falando do momento atual, provavelmente movido por uma consciência política e social que tem.
Ops – Para falar sobre isso acho que preciso falar um pouco sobre a minha trajetória, porque a criação desse disco vem acompanhada de uma mudança muito radical, que foi me afastar dos meus sócios, amigos amados do Criolina. A minha história na música começa na adolescência. Sou cria do rock de Brasília, dos shows no Sesc, do Espaço Cultural Renato Russo, da 109 sul, que era nosso reduto, da UnB. Frequentei a UnB muito antes de estudar lá e tive muitas bandas de rock em que eu compunha, criava, arranjava. Acho que o projeto que ficou mais conhecido naquele momento foi a banda Disco Alto, que tive com o bibliotecário da escola em que eu estudei, Setor Oeste, o Reinaldo Costa. Esse cara foi fundamental para a minha criação, para a minha abertura de consciência. Eu sempre falo dele, porque foi ele que me ensinou a tocar os primeiros acordes no violão, ele que me mostrava as letras do The Cure, as letras do Smiths quando eu ainda não sabia tanto inglês, então, fui criando essa consciência política com os punks, na rua, com a galera que largou tudo para morar na rua, inclusive pessoas com quem eu convivia diretamente e que poderiam ser chamadas de mendigos. Depois fui para a UnB estudar teatro e me envolvi mais na cena do teatro e do design gráfico, que é um dos meus trabalhos hoje em dia também.
Quando a gente fez o Sistema Criolina, já estava fazendo música autoral, um desejo que eu já tinha a partir desse crescimento de carreira e me dei conta de que o próximo passo seria colocar letra nessas músicas. Ao mesmo tempo, movido por um desejo imenso de me manifestar politicamente, de colocar no papel as coisas que eu vinha sentindo, decidi colocar letras nas músicas que eu compunha. Não Tá Tudo Bem é um disco de música eletrônica que vem dessa carreira de DJ que se transforma em um criador de música eletrônica original, que coloca letras.
Sou muito feliz por ver coisas que estavam guardadas na garganta soltas em forma de arte e para isso eu precisaria colocar toda a minha verdade como artista para fora. Por isso, Não Tá Tudo Bem é um álbum visual, porque sou ator e criei um clipe para cada música, que estão no meu canal do YouTube. Os vídeos são feitos em casa e coloco meu corpo para jogo, tanto é que fiz a sessão de fotos para o Diego Bressani dançando, sem camisa, numa catarse que acontece no palco também. Bem, a pista de dança está cheia de uma efemeridade maravilhosa e superpolítica também, que é a dança, mas ela ainda não adentra os meandros da literatura, da poesia que a letra tem. Então é isso, eu cheguei ao meu ápice. Óbvio que eu tenho um grande caminho para percorrer como DJ, mas chegou um momento em que falei: tá bom aqui, agora eu preciso fazer mais, usar meu corpo, minha voz, meu talento na caneta, tudo junto. É assim, é o meu grande cinema. É o teatro, com vídeo, com música, com criação, e eu chego no Não Tá Tudo Bem, essa é a história.
Paola Antony – Ops, é preciso ter coragem para lançar as músicas que você fez? Em algum momento, você teve receio da reação das pessoas?
Ops – Cara, é engraçado você perguntar isso, porque eu penso que é assim, conforme a gente vê crescendo discursos fascistas — e eu não tenho medo nenhum de falar fascistas, mas vamos chamar de discursos eugenistas, discursos de ódio —, à medida que a gente vê isso crescendo, a sensação que tenho é de que quem teria de ter medo são essas pessoas, e não eu, que estou cantando o humanismo, estou cantando a compaixão, a empatia e o perdão. Então, não, eu não tenho medo. Eu tomei decisões mais arriscadas de propósito, é claro. No videoclipe da música que dá nome ao álbum Não Tá tudo bem, há uma cena em que eu passo uma bucha com sabão na capa da Bíblia. Antes disso, outra profecia, olha que curioso: eu pego uma Bíblia, porque a letra da música fala sobre isso, eu convido todo mundo a escutar. No verso em que falo onde anda o Deus cristão a que tanta gente clama, especialmente no Congresso, na política, nesse momento, eu abro a Bíblia e tiro algumas fotografias de dentro dela, entre elas, está o Edir Macedo, o Marco Feliciano, eu tiro Jair Bolsonaro, então deputado, na verdade, ele é o primeiro que tiro, naquele ano em que ele não era candidato, e aí começo a tirar essas fotos da Bíblia com uma intensidade maior e não para de sair gente que usa o cristianismo para profanar a palavra de Deus, e pego uma bucha com sabão e tasco na capa na Bíblia e lavo, essa é a cena.
Esse clipe saiu numa reportagem da revista IstoÉ e me fez ver na própria pele o que é ser odiado na internet. Foram cerca de 500 comentários de ódio em tom muito agressivo. Eu senti essa sensação de: uau, olha como é. No meu canal do YouTube, eu tive também muito ódio, não tanto, nem comparado à revista de grande circulação obviamente, mas lá fiz questão de responder um a um, então eu colocava meu ponto de vista e a maioria dos questionamentos era: "Vai lavar o Alcorão". Eu dizia: "Olha, eu tenho um passado cristão, eu nasci dentro da igreja, minha família é evangélica, meu pai é pastor evangélico, apesar de não ser atuante, ele tem esse título". Então, aos 15 anos de idade, comecei a ver os problemas da instituição igreja e me sinto superapto a falar sobre esse assunto, porque estudei isso. No meu processo de crescimento pessoal, também houve o rompimento com a instituição igreja, que condenava, por exemplo, esse meu grande amigo que me ensinou a tocar violão, que é homossexual.
A entrevista completa com Rafael Ops para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
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