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Paola Antony

Roberto Corrêa

Atualizado: 6 de dez. de 2022


Instrumentista virtuoso, Roberto Corrêa, nosso convidado de hoje do Cumbuca, é um dos pioneiros na recente expansão do uso da viola caipira no Brasil. Seus trabalhos, além de expressão de sua arte, apontam novos caminhos para o instrumento.

Radicado em Brasília desde 1975, tem 19 discos e 3 livros lançados. É graduado em Física e em Música pela Universidade de Brasília e doutor em Musicologia pela USP. Roberto Corrêa é um dos mais importantes nomes da viola no Brasil.

Roberto Corrêa – A viola é um instrumento que está muito ligado ao meio rural, instrumento que chegou aqui com os portugueses e que, nas tradições populares, é usado como o principal acompanhador das práticas populares, tanto religiosas, como profanas: as folias de reis, as danças, catiras, lundus, é tudo feito com viola. Para você ter uma ideia, o violão chegou ao Brasil no começo do século 19, tudo antes era feito com viola. Até no Rio de Janeiro, a capital, Salvador, a viola era o instrumento principal, e o violão chegou, principalmente no meio urbano, e assumiu o lugar da viola até o ponto de as pessoas acharem, por exemplo, que não existia viola no Rio de Janeiro.

A viola é um instrumento que, a partir da década de 1960, começou a ser utilizada de forma mais diversificada, vamos dizer, desvinculada dos contextos sociais do meio rural, porque geralmente a viola é ligada a um contexto social, ou é uma reza ou é uma dança. Esses músicos começaram a usar o instrumento de forma solista. Com isso, o instrumento começou a alçar voos além do usual, diferente do que sempre acontecia no Brasil, que eram as práticas populares. Isso foi crescendo, nós tivemos grandes músicos, por exemplo, Renato Andrade, Tião Carreiro, em linhas diferentes.

Quando deparei com a viola, em Campina Verde, isso em MG, eu sou do interior de Minas, da região dos Gerais, a viola era ligada à folia de reis e catira. Vim para Brasília, eu já estudava violão, até que de novo deparei com a viola. A gente tinha um grupo de música popular lá na UnB, eu fazia Física na ocasião, um grupo chamado Olho d’Água, me encantei com o instrumento e passei a fazer minha história com ele.

Minha ligação com a viola me permitiu expressar a minha música e a minha música era bem diferente, vamos dizer assim, dos toques tradicionais de viola, como outros violeiros que fizeram um caminho parecido e nós fomos contando outra história, histórias contemporâneas através do instrumento. Eu digo que sou um caipira contemporâneo, fazendo música contemporânea, tanto que as pessoas perguntam: "Que tipo de música você faz?". Eu digo que faço música caipira. "Ah, mas sua música é diferente". Ok, e às vezes, até para quebrar o conceito das pessoas, eu digo que faço música caipira erudita. Nem eu sei o que é, mas o que eu quero é quebrar um conceito estabelecido para que a pessoa não tente fazer uma ideia da música sem ouvi-la, a pessoa tem de primeiro ouvir para depois tentar entender. Criar um novo compartimento de música? Já há tantos. É musica caipira.

Paola Antony – Roberto Corrêa, é muito gostoso observar como realmente sua música transporta a gente para um lugar do Brasil, uma paisagem de interior, é incrível isso.

Roberto Corrêa – Pois é, é uma comunicação sensorial e emocional, atávica também, impressionante. A viola não é só o instrumento, eu acho que às vezes você vê uma pessoa tocando o instrumento e o instrumento não o conecta. Acho que, no meu caso específico, a música que faço, a minha expressão musical, tem muito a ver com meus antepassados, com essa música que veio antes de mim, mesmo sendo moderna, eu acho que tem essa conexão. Eu digo isso não só porque eu sinto isso, mas pelo retorno que recebo das pessoas. Poxa, já são mais de 40 anos de viola, fazendo recitais em todos os lugares do mundo, no Brasil todo, e as pessoas me dizendo isso, que a música acabou transportando-as para reminiscências, lembrando de pais, avós. Não sei se todo violeiro passa por esse tipo de coisa, mas eu acho que minha música tem essa ligação atávica.

Paola Antony – Roberto, você falou que são 40 anos de carreira, 40 anos com sua viola do lado. Desses 40 anos, quais são os momentos que você gostaria de destacar?

Roberto Corrêa – Um dos momentos importantes foi a gravação do disco Uróboro, que talvez seja meu disco mais importante. Uróboro aconteceu num momento muito especial, muito particular da minha vida, eu diria. Eu estava enfrentando um problema de saúde sério, podendo vir a morrer desse problema. Eu identifiquei um tumor no cérebro que estava afetando meu braço direito e o que se podia fazer era uma cirurgia retirando esse tumor, sem saber quais as sequelas disso, porque era na região motora, sem se saber se eu ia parar de tocar. Foi um momento muito difícil da minha vida e fiz alguns planos, vamos dizer assim, para antes de morrer deixar algo. As coisas mais importantes que tinha na minha vida eram minhas composições, então, gravei esse disco com minhas composições. Um disco que eu imaginava que não teria acolhida, porque minha música não é uma música simples, é complexa, às vezes, bem diferente da música tradicional da viola e, para minha surpresa, havia um público para esse tipo de música. É o disco que mais vendi na vida, 12 mil cópias. É um feito muito grande, sobretudo para a música instrumental, eu realmente fiquei muito surpreso com isso. Foi um momento muito especial.

Paola Antony – O que é Uróboro?

Roberto Corrêa – É um símbolo místico encontrado em muitas civilizações antigas. É aquela serpente que devora sua própria cauda, formando um círculo. Por que isso? Porque, naquele momento que eu estava vivendo, a ideia era de morte, convivendo com a morte, mas a minha luta era para que não houvesse esse final. Olhando de frente, era realmente um círculo, mas, olhando de lado, era uma espiral. Quer dizer, a morte seria uma morte de várias coisas, mas a vida continuava. A vida física, que era o que eu queria, ali, onde a cobra está comendo a cauda, era a espiral, ou seja, eu não preciso morrer fisicamente, morrem outras coisas, porque eu preciso evoluir, e vamos firmes, que eu quero viver. E deu certo. Então, Uróboro era isso, essa lida da vida com a morte.

Paola Antony – Roberto, quais são seus projetos presentes e futuros?

Roberto Corrêa – No ano passado, lancei um livro baseado na minha tese de doutorado, com o mesmo nome, A viola caipira: das práticas populares à escritura da arte. Cinco anos depois, pude fazer um apanhado geral, acrescentei coisas e fiquei muito feliz, porque finalizei a parte da pesquisa. Minha vida foi assim com a música: a educação, o ensino do instrumento, a pesquisa e a parte de performance. A parte de ensino eu cumpri com os mais de 30 anos na Escola de Música, escrevi um livro sobre essa parte, que é A arte de pontear viola, que tem todo o processo de ensino que eu desenvolvi. A parte de pesquisa eu coloquei nesse livro recém-lançado e agora estou por conta de compor, de tocar, da performance. Um projeto em que estou envolvido agora é de escrever, é repertório, escrever todas as minhas composições, tanto as músicas instrumentais, quanto as canções, e estudando para a performance, para tocar cada vez melhor e continuar evoluindo.


A entrevista completa de Roberto Corrêa para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.


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