Ângela Brandão é compositora, cantora, jornalista e escritora. Nasceu em Minas Gerais, mas se radicou em Brasília, ainda que recentemente se tenha mudado para o Chile. Ângela é uma das mulheres que integra, com suas belas composições, a cena musical do Distrito Federal.
Ângela Brandão lançou um disco em 2015, que tem seu nome como título.
Paola Antony – Ângela, eu quero começar nossa conversa lhe dizendo que venho fazendo o Cumbuca, conversando com artistas da cidade, e algumas cantoras que passaram por aqui falaram de você, cantam suas músicas e têm você como grande compositora. Foi quando me dei conta que a conheci através da Indiana Noma, que canta algumas músicas suas, Frestas, por exemplo.
Ângela Brandão – Emília Monteiro, Indiana Nomma, Vanessa Pinheiro, há algumas artistas de Brasília que gravaram meu trabalho, mas a Indi, que eu reputo ser uma das grandes cantoras do Brasil, me dá uma honra danada ao gravar meu trabalho. A Indi, quando decidiu fazer o primeiro disco autoral, com a cara da música dela, eram 9 canções, 5 eram minhas. Isso para mim foi uma chancela linda.
Vou lhe contar uma história. Eu, em dois mil e pedrinha, nossa, já me perdi no tempo, põe ano nisso. Numa situação, eu conheci o Nelson Motta e mostrei minhas músicas para ele. Ele ouviu e foi muito generoso comigo, disse que eram muito lindas. Depois, quando ele passou em Brasília, me ligou: "Estou aqui, vamos comer alguma coisa".? A gente saiu, jantou e ali ele me falou: "Ângela, eu preciso lhe dar um conselho. Fale um grande compositor que você admira". E eu fui dizendo um monte de gente de que eu gostava. Eu me lembro que ele falou: "Repare que eles todos têm uma coisa em comum, todos gravaram disco". Eu fiquei muito surpresa na hora com esse “em comum”. Eu me lembro que, entre os compositores que citei, tinha o Lenine. Eu gosto muito do Lenine, aquele disco, O Dia em que Faremos Contato, na minha humilde opinião, é o melhor disco dele. Então, ele falou: "Observe que ele é compositor e está na estrada sendo gravado por uma penca de gente há mais de 20 anos, mas as pessoas só conheceram o nome dele no dia em que um disco dele saiu. Você precisa de um disco". E ali, muito por causa desse conselho e por tudo que foi surgindo, eu fiz o meu disco.
Mas eu me considero compositora. Eu adoro, por exemplo, ouvir a minha música na leitura de um artista, de um intérprete, que é diferente de um cantor. Cantor é aquele cara que canta, e eu também canto. O intérprete é outro cara. Tanto é que, na área de tradução, você fala intérprete — tradutor. Intérprete é esse cara que pegou alguma informação e que apresentou para você uma tradução, uma leitura daquilo que foi dito, ele explicou emocionalmente para você. Eu acho que o grande artista da interpretação é o cara que ouve a música do compositor e que, quando a canta, conta alguma coisa que, às vezes, surpreende até o compositor.
Paola Antony – Ângela, em seu processo de criação, as experiências que você transfere para as composições são suas ou são alheias? A história de outras pessoas também lhe fornece elementos?
Ângela Brandão – Sim, muito. Há uma canção no meu disco, que tem até uma participação do Moska, A ferro e Fogo, que foi assim. Eu fui ao trabalho e uma colega, arrasada, me falou: "Putz, estou enfrentando uma situação superdifícil", e me contou a situação do marido dela. E, aí, eu escrevi a música, ou seja, não escrevi a música estritamente sobre a minha experiência. Há outra música, que a Lúcia Menezes gravou e que eu nunca gravei, que se chama Bola 7 — eu adoro essa letra —, em que o Marcelo Lima pôs a melodia, que é uma música sobre uma história genial que uma amiga minha me contou. Ela namorava um cara e chegou no trabalho superchateada e me falou: "Poxa, você acredita que fulano veio aqui querendo terminar comigo?". Ela estava namorando há uns três meses. Eu perguntei: "Como você se sentiu?". Ela contou que disse para ele:"Tá maluco, né? A melhor coisa que aconteceu na sua vida fui eu. Vou lhe dar essa chance, vou fingir que não ouvi isso". Eu achei sensacional! E o mais lindo dessa história é que eles estão juntos até hoje, e isso tem vinte e tantos anos.
Paola Antony – Ângela, sobre a condição da mulher na composição, o que você pensa ou sente a respeito?
Ângela Brandão – Pois é, essa coisa do gênero, antes fosse só na composição. Isso é uma luta da sociedade, porque não é uma luta só da mulher, isso é uma luta da sociedade em favor da equidade de gênero. E, quando eu digo equidade de gênero, não estou falando de igualdade de gênero. A gente não quer ser igual, a gente quer ter equidade. A gente quer ter as mesmas oportunidades e a mesma dignidade. Isso é maravilhoso para homens e mulheres. Agora sou mãe de uma menina também. Eu tenho um menino mais velho e sempre falei, cara, a razão pela qual eu acho que todos nós temos de enfrentar o machismo é para fazer uma sociedade melhor para homens e mulheres.
Todos somos prejudicados quando uma menina não atinge seu potencial, todos nós como sociedade. Aliás, não só uma menina, todos nós perdemos como sociedade quando uma menina, por ser negra, não consegue chegar aonde ela tinha de chegar. Talvez ela fosse a pessoa a descobrir caminhos novos para uma sociedade melhor, talvez fosse a pessoa a descobrir a cura da Aids, a cura do câncer. Talvez esse menino que não conseguiu estudar e ter o mérito que na ciência fosse o cara que faria diferença na arte ou em qualquer lugar a que ele fosse, entendeu? Essas questões de equidade me tocam muito, mas, no caso da população negra, eu não tenho o famoso direito de fala, não posso falar desse lugar da experiência, porque a única experiência que tenho é a de testemunho, de ver nossa sociedade prejudicada pelo nítido e inegável racismo que existe em todo lugar e que é o famoso racismo estrutural.
A entrevista completa de Ângela Brandão para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
Acesse: https://soundcloud.com/radioeixo/cumbuca-angela-brandao?in=radioeixo/sets/cumbuca
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